MEMÓRIAS 2001
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Sexta-feira, 16 de Março de 2001
As Memórias Não Podem Ser Esquecidas, mas Podem Ser Manipuladas - Teoria de Freud revisitada
Por ANA MACHADO, IN JORNAL «PÚBLICO»
Estudo pode ajudar a perceber o processo mental de certos casos de "stress" pós-traumático.
Quando há um esforço para esquecer deliberadamente um determinado tipo de memória que nos incomoda, essa memória, associada, por exemplo, a um acontecimento traumático, pode passar a ser constantemente evitada. A afirmação foi feita na última edição da revista "Nature", por dois cientistas da Universidade de Oregon, nos Estados Unidos. O estudo vem levantar de novo a polémica questão, colocada inicialmente por Freud, sobre a repressão, a capacidade humana de empurrar as más memórias para uma espécie de quarto escuro, o nosso inconsciente, como acontece em casos de "stress" pós-traumático.
Freud defendia que as nossas memórias podiam ser como que esquecidas se as empurrássemos deliberadamente para o nosso inconsciente,através de um processo a que chamou repressão. Esta hipótese permaneceu um assunto controverso durante mais de cem anos, principalmente porque era eticamente reprovável provar empiricamente a hipótese.
No entanto, a equipa do Departamento de Psicologia da Universidade de Oregon, afirma que, apesar de não podermos esquecer as memórias, podemos manipulá-las e evitá-las sempre que quisermos. Os investigadores estudaram um grupo de pessoas a quem deram vários pares de palavras para memorizarem. De seguida os indivíduos receberam palavras-chave que tinham de ligar aos grupos de palavras que tinham memorizado. Mas a alguns deles a equipa pediu, a troco de uma recompensa, que não referisse, nunca, nenhuma das palavras memorizadas, o que os elementos escolhidos conseguiram fazer após algum tempo de treino.
"Verificámos que estas pessoas, que deliberadamente decidiram esquecer algumas palavras, tendiam a esquecê-las naturalmente mais tarde", dizem os cientistas, acrescentando que a experiência pode ajudar a descobrir o processo através do qual acontecem fenómenos como o da amnésia selectiva, como acontece, em situações extremas, com adultos que sofreram abusos na infância ou com doentes de "stress" pós-traumático.
"Não podemos controlar aquilo de que nos lembramos ou não. Mas podemos manipular essas memórias conscientemente, ou mesmo votá-las a um esquecimento constante", diz Martin Conway, da Universidade de Bristol, num comentário ao artigo, também publicado na "Nature".
Para Francisco Esteves, psicólogo, professor da Universidade Lusófona de Lisboa, o estudo da Universidade de Oregon precisará de tempo e de mais estudo empírico para que se confirme: "É difícil um único estudo confirmar esta hipótese. Parece-me precoce tirar qualquer conclusão", defende. No entanto, Francisco Esteves reconhece que "o estudo é interessante na medida em que coloca a possibilidade de se poder reduzir a recordação por uma instrução voluntária de reprimir associações. E teoricamente admite a possibilidade de, por habituação, essa repressão passar mesmo a involuntária, de se automatizar", explica, acrescentando que os estudos empíricos nesta área só vêm confirmar as hipóteses teóricas sobre a repressão das recordações, um fenómeno descrito há muitos anos por Freud.
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Sexta-feira, 16 de Março de 2001
As Memórias Não Podem Ser Esquecidas, mas Podem Ser Manipuladas - Teoria de Freud revisitada
Por ANA MACHADO, IN JORNAL «PÚBLICO»
Estudo pode ajudar a perceber o processo mental de certos casos de "stress" pós-traumático.
Quando há um esforço para esquecer deliberadamente um determinado tipo de memória que nos incomoda, essa memória, associada, por exemplo, a um acontecimento traumático, pode passar a ser constantemente evitada. A afirmação foi feita na última edição da revista "Nature", por dois cientistas da Universidade de Oregon, nos Estados Unidos. O estudo vem levantar de novo a polémica questão, colocada inicialmente por Freud, sobre a repressão, a capacidade humana de empurrar as más memórias para uma espécie de quarto escuro, o nosso inconsciente, como acontece em casos de "stress" pós-traumático.
Freud defendia que as nossas memórias podiam ser como que esquecidas se as empurrássemos deliberadamente para o nosso inconsciente,através de um processo a que chamou repressão. Esta hipótese permaneceu um assunto controverso durante mais de cem anos, principalmente porque era eticamente reprovável provar empiricamente a hipótese.
No entanto, a equipa do Departamento de Psicologia da Universidade de Oregon, afirma que, apesar de não podermos esquecer as memórias, podemos manipulá-las e evitá-las sempre que quisermos. Os investigadores estudaram um grupo de pessoas a quem deram vários pares de palavras para memorizarem. De seguida os indivíduos receberam palavras-chave que tinham de ligar aos grupos de palavras que tinham memorizado. Mas a alguns deles a equipa pediu, a troco de uma recompensa, que não referisse, nunca, nenhuma das palavras memorizadas, o que os elementos escolhidos conseguiram fazer após algum tempo de treino.
"Verificámos que estas pessoas, que deliberadamente decidiram esquecer algumas palavras, tendiam a esquecê-las naturalmente mais tarde", dizem os cientistas, acrescentando que a experiência pode ajudar a descobrir o processo através do qual acontecem fenómenos como o da amnésia selectiva, como acontece, em situações extremas, com adultos que sofreram abusos na infância ou com doentes de "stress" pós-traumático.
"Não podemos controlar aquilo de que nos lembramos ou não. Mas podemos manipular essas memórias conscientemente, ou mesmo votá-las a um esquecimento constante", diz Martin Conway, da Universidade de Bristol, num comentário ao artigo, também publicado na "Nature".
Para Francisco Esteves, psicólogo, professor da Universidade Lusófona de Lisboa, o estudo da Universidade de Oregon precisará de tempo e de mais estudo empírico para que se confirme: "É difícil um único estudo confirmar esta hipótese. Parece-me precoce tirar qualquer conclusão", defende. No entanto, Francisco Esteves reconhece que "o estudo é interessante na medida em que coloca a possibilidade de se poder reduzir a recordação por uma instrução voluntária de reprimir associações. E teoricamente admite a possibilidade de, por habituação, essa repressão passar mesmo a involuntária, de se automatizar", explica, acrescentando que os estudos empíricos nesta área só vêm confirmar as hipóteses teóricas sobre a repressão das recordações, um fenómeno descrito há muitos anos por Freud.
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