LAMA K.DORGE 77
29 páginas - lama-0-cw-ie> = ideia ecológica - um domingo bem ganho com este arranque para a grande série «complete works - a ideia ecológica» - agora vai mesmo – com hemeroteca pessoal anexa e toda decoração gráfica de que eu for capaz
8 DIAS EM NYIMA DZONG NO ANO DA SERPENTE DE FOGO(*)
A VOLTA AO INFINITO EM OITO DIAS AOS PÉS DO LAMA NA TERRA DOS MIL SÓIS
No tecido do Universo, o Yin-Yang tem a função desempenhada por duas agulhas de tricotar malha. Tantra pode significar malha.
A Lógica universal ou Ordem do Universo corrige a lógica formal aristotélica da ciência analítica.
O Universo é como a Serpente que vagarosamente se devora a si própria.
Nietzsche/Zaratustra
NOMES DE AUTORES OCORRENTES NESTE TEXTO:
Albert Camus
Carl Jung
David Cooper
David Lowenthal
Erich Von Daniken
Herman Hess
Ivan Illich
Jean Starobinski
Jorge Dias
Jorge Oshawa
Karl Marx
Lobsang Rampa
Michio Kushi
Nietzsche
Wilhelm Reich
ESTA ALEGRIA DE ESTAR CHATIADO!
A 19 de Fevereiro do calendário cristão, iniciou-se em 1977, o Ano Tibetano ou Losar, celebrado pelo Mestre, Venerável Lama Kunzang Dorje, no Mosteiro de Nyima Dzong.
Sei agora, pela data, - que não é acaso nem coincidência «porque o acaso não existe», sei-o agora também - porque me deram os deuses à luz nesse dia, nesta reincarnação onde, há 44 anos exactos, deambulo à procura não sei de quê, expiando não sei que piratarias de outras reincarnações talvez por África, Ásia, Brasil, dado o meu confirmado complexo pelo Terceiro Mundo e, também, pelo Quarto do lumpen-proletariat mundial.
Penso que essa procura tem sido uma insofrida necessidade de ajustar o meu bioritmo ao ciclo tibetano a que pertenço.
Durante 44 anos andei portanto desajustado um mês e dezanove dias, fugindo constantemente ao comprimento de onda exacto. Nessa margem de desfasamento meto a minha pouca simpatia pelos badalos cristãos, a minha imberbe busca do címbalo e da concha tibetana. Meto a sinusite e os desencontros com a sorte, a fortuna, a sociedade, a família, o amor, a saúde, a morte. As desafinações e as fífias no belo e sumptuoso concerto sinfónico que vejo tantos tocarem à minha volta.
DESCULPEM-ME OS CRISTÃOS
Desculpem-me os cristãos mas os astros fizeram-me nascer com o Losar e eu constato agora, em Nyima Dzong, que andei quarenta e quatro anos atrasado de mim próprio. Em Nyima-Dzong, apertando com força as minhas mãos frias nas mãos do Mestre, constato que andei a correr, esfalfado, atrás de um comboio errado. A colite, a sinusite, e, entre as demais maleitas do repertório, esta parvoíce tão minha, esta crónica chatice de tudo por tudo, este andar cá por ver andar quem anda, talvez seja tudo por causa dos calendários: o tibetano onde nasci e o cristão onde quarenta e quatro anos morri de aborrecimento.
Julgando curar-me dessa erisipela, fundei com o António Carvalho e alguns outros, o Movimento Ecológico Português. Credo, abrenúncio, foi pior a emenda que o soneto, pior a mezinha que a maleita. Pior que lepra no Nariz de Portugal Continental, ex-garanhão procriador de colónias a cada nova fornicação ultramarina, o Movimento Ecológico Português, no entanto, reflecte talvez mais e melhor a lepra do País do que a meu eczema biomental. Não quis - garanto - fazer dele o espelho mágico da Rainha Magalona
Soube em Nyima Dzong que irei curar-me, em breve, do Movimento Ecológico, das dívidas, das dúvidas, da conjuntura circundante.
Quarenta e quatro anos depois (re) nasci no dia exacto em que nasci. E já não era sem tempo, oh! camaradas militantes da Terra!
É esta posição na Terra de Ninguém que me autoriza a proferir algumas asneiras e barbaridades nestes ensaios de reportagem e antecipação científica sobre o yoga tibetano na Europa.
Tateio no quarto escuro de Kali Yuga,
Bato com as meninges na parede espessa do conhecimento exotérico, de onde só sapos, lagartos, tecnoburrocracia saem.
Sabendo que do outro lado da parede há Sol, sei que terei de me mexer, como um rato em circuito fechado, nesta caverna platónica de sonhos, enganos, ilusões, fantasmas e alucinações. De ideias. De Mitos. Teimo, no entanto, em agarrar um raio de Sol.
QUE MESTRE, ENTRE MESTRES, ESCOLHER?
Sem que isso signifique continuar patinando no doce engano, na leda ilusão, mito diáfano chamado "livre arbítrio" ou, mais populìsticamente, liberdade humana, a questão do guru ou mestre a eleger é uma questão difícil.
" Prepare-se o aluno que o mestre aparece " - eis um claro princípio do Princípio Único e uma expedida palavra de ordem que subverte toda a pseudo-educação que se ministra em escolas e países do Ocidente.
Mas que mestre entre os mestres escolher?
Através dos anos, vamos adoptando e substituindo os nossos guias espirituais. Raramente entre os professores das nossas escolas, muitas vezes entre os autores dos livros que o acaso nos põe diante. Mais ou menos vivos ou influentes, permanecem mais ou menos tempo e assim vamos elegendo os companheiros de jornada, os espíritos irmãos, os livros e autores que, no fundo, nos ajudam a preencher o deserto de solidão e desamparo que é a terra calcinada da cultura não iniciática. Procuramos refúgio e conforto nos poetas, filósofos, romancistas que lemos.
1ª questão - Este borboletear de autor para autor, de mestre para mestre, não terá um dia que se ficar no Mestre? O ecletismo não será um declive cada vez mais inclinado?
2ª questão – O mito do livre arbítrio e a ilusão da infinita procura não começará um dia a revelar-se um sofisma (escravizante) do sistema cultural e não será um dia posto em causa, pelo aprendiz, com a violência da decepção, essa apregoada relatividade do conhecimento, o agnosticismo dos sistemas que proclamaram a desistência do Absoluto? Não surgirá um dia - visto o logro e a mentira e a traição de uma cultura podre além de criminosa - a necessidade absoluta do Mestre Absoluto?
3ª questão - É ou não o Ensinamento, o ioga tibetano , a Sabedoria tântrica, o Vajrayana, o guru, o mestre, o Lama, esse absoluto porque a imagem relativa dele? Ou continuaremos na ilusão de o considerar apenas mais um mestre?
4ª questão - Dado que tudo muda e nada permanece, poderia ser – ainda que por hipótese - definitivo, absoluto, nec plus ultra, este Mestre Kunzang Dorje mais único do que os outros?
A intuição, entretanto, segreda-me que (mesmo depois de Jung e Wilhelm Reich, mesmo depois dos que, raros, podemos considerar na 7ª etapa do Discernimento como Oshawa e Michio Kushi), o impulso que (me) empurra para a Tradição Universal Viva, para a Linhagem Nying-ma pa, para o esoterismo tibetano, para o Tantra, para o Vajrayana, para a Sabedoria Diamantina que corta a ignorância, é uma etapa e um salto em tudo qualitativamente diferente de saltos, mestres, influências, etapas, mortes e renascimentos anteriores.
Será o tempo chegado?
Será a pele da Serpente que muda pela última vez?
Será o último nascimento antes da próxima morte?
Ou será apenas o cansaço de 44 anos procurando sem encontrar?
Será?
AOS PÉS DO LAMA: "TO BE OR NOT TO BE"
" A confusão nasce do egocentrismo do homem "
JORGE OHSAWA
Não fora o reiterado uso, às refeições, de alga wakame e hiziki;
não fora o uso possível de raízes da família do rábano-rabanete; não fora a bioalquimia possibilitada pela dieta cerealífera (seca, integral, não tóxica nem dissolvente e dissoluta);
não fora o que dos ensinamentos de Jorge Ohsawa e o que os seminários de Michio Kushi, em Lisboa, nos trouxeram de autocrítica aos desvios alimentares cometidos com base na fase pioneira da Macrobiótica no Ocidente;
não fora uma série de circunstâncias que tenho a arrogância de considerar neutralizantes da Arrogância e favoráveis, portanto, à intuição, à limpidez possível do Discernimento e a uma diminuição na arrogância egolátrica - este querido e maldito ego sobre o qual fundámos o centro ou umbigo do Mundo, porque o Mundo nos fazia Medo! ;
não fora um certo tirocínio em jejum terapêutico de arroz, palavras, ideias, manias, projectos, preconceitos, afectos e desejos;
não fora uma limpeza periódica dos canais que conduzem a energia;
não fora, ao fim e ao cabo, depois de um desprezo quase suicida pelo ego, esta fase dialecticamente complementar dos cuidados com ele, a saúde, o equilíbrio, a higiene alimentar, etc.
e talvez, ainda hoje, em 1977, aos 44 anos, o intelectual que julguei ser estivesse ainda convencido de que o era, numa das mais belas e cruéis ilusões em que labutam, pantanosamente, centenas de outros intelectuais convencidos de o ser, e cada vez mais quanto mais livros escrevem, editam, reeditam, e quanto maior assento têm na Academia ou na Associação Portuguesa de Escritores.
Refiro-me à ilusão chamada "originalidade criadora" ou autoria, à ilusão de que temos uma individualidade capaz não só de escrever a obra mas, quiçá, de fundar uma escola, seita ou corrente literária, estética, poética.
Ilusão ou véu de Maia que alimenta milhares de escritores, artistas, filósofos, «maitres à penser", (pres) sinto de repente que é uma ilusão e uma dúvida assoma às minha presunções de escritor, intelectual, autor, indivíduo.
Tratar-se-á de inventar e criar algo ou tudo está criado e trata-se, antes, de gradualmente, por sucessivas desintoxicações e consecutivos jejuns terapêuticos recriar, reinventar, redescobrir, revelar ou desvelar o que desde sempre e para sempre está dito, escrito, criado, o que sempre e para sempre permanece como vaga de fundo no labirinto das enganadoras aparências?
Criar é, como querem os sócios das Academias, gerar ex-nihilo o que se chama uma obra, ou é chegar às fontes e à Fonte da Criação, não quebrando mas reatando elos na ininterrupta linhagem, antes procurando a linhagem onde nenhum elo foi quebrado? Por informação histórica, observo que a linhagem ininterrupta é a linhagem Nyingma-Pa.
Observo, portanto, como a cura desse terrível «ego» é demorada e difícil, algo impossível sem algas (condição sine qua non) e sem Mestre.
Observo que traumatismos e convulsões são necessários mas não suficientes para chocalhar dentro do viciado, inveterado e doente ego o aviso de bom senso que rectifique essa hipertrofia do eu tão cara ao escritor, ao artista, ao intelectual, ao crítico, ao autor de algo que ele julga seu, propriedade particular e privada do seu talento, génio, vocação.
Ao perder o apego à autoria, autoridade ou propriedade literária privada, começa, o intelectual que julguei ser, a viagem de regresso à Origem (à Originalidade), à Fonte, à Criação, à Linhagem.
Não matei o ego do intelectual assanhado e do crítico pretensioso que fui (tantas vezes apenas pela vil necessidade de ganhar o pão), nem matei o lamentoso lírico que tantos anos andou a escalar o absoluto escrevendo milhares de versos para a gaveta (no meio de um jardim zoológico já todo ele célebre e monopolizando portanto todo o espaço editorial disponível).
Mas sei e sinto hoje (com o distanciamento e a perspectiva que dá uma mastigação cada vez mais lenta e uma ensalivação cada vez mais intensa) como essa ambição de escrever obra original, com selo individual, marca da casa, estilo, nome próprio, inconfundível, é uma das mais agridoces ilusões que podem embalar um intelectual e afastá-lo do Todo-de-Si.
Onde se põe apego, é o risco egocêntrico e egolátrico que espreita.
Semanas antes da peregrinação a Nyima Dzong, mandaria a boa regra ascética evitar abusos alimentares, preparar o corpo, o espírito e a palavra, tirocinar o máximo de pureza para (me) apresentar, escorreito, cadáver ambulante mas com a barba feita, aos pés do Mestre, do Venerável Lama Kunzang Dor, o Buda vivo que transmite o Ensinamento, o primeiro Lama nascido na Europa para aqui reatar o Fio da Tradição Universal Viva, a linha eterna da Única Linhagem.
Três ou quatro semanas antes, porém, uma atracção satânica por todos os disparates alimentares, uma deliberada e sistemática violação das leis do Principio Único, uma quase debochada destruição do equilíbrio yin-yang, foram factos que se sobrepuseram, com força demoníaca, à piedosa intenção de chegar puro e em beleza macrobiótica Zen a Nyima Dzong, aos pés do Mestre.
Julguei perceber, nesta inversão de propósitos, neste conflito entre Factos e Intenção, uma inevitável dialéctica de contrários. Mas também uma "prova" iniciática, um teste: o irrisório do aluno aplicado, fazendo a sua cópia muito bem feitinha para passar o exame - e o Exame, aqui, em Nyima Dzong, a 900 metros de altitude, é a prova suprema para qualquer aprendiz de Feiticeiro ! - eis o que a força e a claridade material dos acontecimentos logo evidenciou face à opacidade idealista das intenções. Os acontecimentos puderam agir em sentido contrário à vontade (Sic) individual. Os acontecimentos puderam sobrepor-se a mais uma armadilha do ego, quando este porventura julgou chegada a hora de escrever a obra-prima e a reportagem seller do ano!
Ao meio dia e quinze minutos (hora solar) do dia 22 de Fevereiro, quando o Lama, após a nossa semana inteira de espera, finalmente nos pôde receber para uma hora de conversa gravada em fita magnética, o imponente jornalista, com fumos de escritor e sarampos de poeta lírico, estava totalmente vazio de perguntas, de questões, de arrogância, de impertinência para pôr ao primeiro Lama nascido na Europa, ao Mestre Venerável, quem
sabe se a deus vivo sobre a Terra...
Enrolado na sua frente, na precária posição do lótus de que nunca aprendi a técnica, com o Chico ao (meu) lado esquerdo e o José Carlos, de câmara em punho, ao lado direito, eis prosternado e em silêncio, deixando-me atravessar pelos raios quentes do sol e pelo olhar penetrante do Lama - mais penetrante, quente e doce do que o Sol - , os últimos farrapos de alguém que, na vida civil, na vida urbana, no terror quotidiano, no labirinto da indecisão e das angústias, da cólera e da revolta, do aborrecimento e da melancolia, se chamara Afonso Cautela (creio), sócio nº 430 do Sindicato dos Jornalistas, com onze mil escudos de salário mensal e, por tal, obrigado a prostituir-se até á Eternidade seis horas de trabalho por dia.
Se esta prédestruição da soberba insignificância do (nosso) querido ego, obedece a frio e calculado programa por parte da disciplina hierárquica que reina na linhagem Nyngma Pa, eis a questão que ao ego (ainda) remanescente, ferido na sua arrogância, talvez interesse formular em termos de fúria crítica, de revolta e contestação, de orgulho e vingança.
Eis a questão que definitivamente deixa de (me) interessar ou irritar. Meti o «eu» e o «meu» entre parêntesis. Somos (sou) apenas jogo nas mãos do jogo universal. Vivo um sonho colectivo e sei que o vivo. Participo numa cerimónia alucinatória e sei que participo.
Eis o que da "humilhante" sensação de vazio perante o Lama e a sua irradiante força magnética, posso ainda extrair e ir a tempo de concluir. E de escrever, sem nada ter escondido na manga da camisola vermelha com rendas da tradição marítima portuguesa.
INFINITO ESPLENDOR, MEDO INFINITO DO INFINITO
Na terra de Ninguém e desafinando nos hábitos de andar com a cabeça descoberta, autorizei-me a enfiar um peludo barrete castanho moscovita, que me protegia do vento everéstico mas que me tapava, também, muito da energia que circularia se o barrete a não impedisse de circular.
Também sei como as botas de borracha, a pretexto da lama, barravam essa corrente vibratória tão intensa e bela nos domínios livres de Nyima Dzong .
Propositadamente barrei o esplendor do Infinito, porque não sei ainda se poderia tolerar o termo dialéctico contrário desse Esplendor. Esse o medo de qualquer aprendiz na Via Tântrica do Infinito. Em que mundo ou galáxia ou estrela ou astro irá acordar?
Esse o medo. Esse o fascínio.
OBRIGADO À TERESA, QUE ME ENSINOU A NÃO DIZER OBRIGADO
Talvez agora, a posteriori, possa compreender melhor a advertência da Teresa, quando à minha impaciência, à minha incapacidade de esperar sem desesperar (a hora de ser recebido pelo Mestre) ousou desafiar a cólera do (meu) ego dizendo-(me):
- "Mas tu não é mais importante do que a Comunidade, Afonso...!»
Verdade que eu não me consideraria mais importante do que a Comunidade, mesmo ao nível do discernimento mais mecânico. Se estava ali ao serviço da Comunidade, isso o provava suficientemente. Não era isso, Teresa, o que estava em questão: mas saber esperar sem desesperar, para lá dos limites que o (nosso) ego suporta, o facto, a hora, o acontecimento.
De nada serve andar com o relógio individual adiantado em relação ao relógio cósmico dos acontecimentos. Algo nos fará ver, de repente, o ridículo e o irrisório da nossa pressa, da nossa impaciência, do nosso desespero. Da nossa, da minha preocupação em ter um trabalho (entrevista) a realizar e querer realizá-lo na perfeição, sobre rodas.
A Teresa foi o porta-voz dessa Voz: mas também ela me ensinara, dias antes, que não se diz obrigado em tibetano. Também ela , numa carta que era um carinhoso tecido de malha viva, nos ensinara até ao pormenor como chegar a Nyima Dzong, Por isso eu (não) lhe digo "obrigado».
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NUM TEMPO DE TREVAS A FORÇA DA LUZ PRIMORDIAL
Os jovens hoje, em 1977, nascem velhos. E cada vez mais velhos, à medida que os anos nos fazem avançar nas trevas de Kali Yuga, à medida que a história se adensa no fogo, no ferro, no ouro e no urânio da grande mudança, da grande fronteira entre o Fim e o Princípio.
O tempo é chegado e os jovens sobem à Comunidade de Nyima Dzong, a novecentos metros de altitude, pertíssimo das gargantas do Rio Verdon, em plenos Alpes Meridionais, num ponto relativamente perdido do mapa turístico francês, ao mesmo tempo perto e longe dos centros cosmopolitas (Nice, Cannes, Montecarlo e tutti quanti Cote d'Azur onde já nem o Carnaval esperneia, onde apenas de sólido só a batota progride, ou a indústria dos perfumes caros na cidade de Grasse) um ponto apenas atravessado, lá no alto, por cabos eléctricos de alta tensão.
Desiludidas e cansadas, essas jovens energias deixaram a sociedade dos perfumes, da batota, do turismo, do ski, das autoestradas, - essas serpentes de betão tentando concorrer com a Serpente de Fogo!... - , da lepra consumista; deixaram os papás que tudo isso construíram para bem do progresso e malestar dos homens, para salvação do Diabo e perdição das almas climatizadas na morna alienação pequeno-burguesa.
Quando chegam a Nyima Dzong, talvez sem saber que estão cumprindo um plano predeterminado, esses jovens que vomitaram a sociedade, levam 20 gerações vividas em 20 anos.
Por isso não vale a pena contar-lhes mais histórias pueris, destas que se contam cá em baixo, neste vale de lágrimas da sociedade industrial e tecnoburocrática. Histórias sobre o budismo e (sic) a "inadaptação ocidental a outras regras de vida". Não vale a pena tentar ludibriá-los com os argumentos clássicos neste Ocidente contra o "não-agir dos orientais".
Não resultam mais os chavões com que, na Europa, se tem procurado menosprezar e adiar a "invasão tibetana», força que neutralizará todos os Poderes. E o tempo é chegado, a predestinação cumpre-se e a torrente engrossa levando à sua frente todos os sofismas, mitos, argumentos com que filósofos, autores, repórteres do exotismo extremo-oriental têm tentado adiar o advento da Tradição, do mais poderoso veículo iniciático, da energia mais forte que já houve, há ou haverá sobre a Terra.
Esta é a «questão política» do budismo tântrico.
Trata-se, hoje, de saber com quem fazer alianças.
Depois de uma semana em Nyima Dzong, à luz de velas quando anoitece, pisando a lama do Domínio, já noite, com a ajuda de uma lanterna, mastigando 100 vezes a colher de arroz com yang sarraceno, tentando acompanhar as consecutivas mudanças do leque meteorológico - ora sol, ora chuva, ora neve, ora gelo, ora vento, ora sol - repondo os bioritmos de acordo com os ritmos telúricos (acorda-se às 4.30 da manhã em Nyima Dzong), eis que, depois desta breve experiência na fronteira entre o Inferno e o Paraíso, entre a Terra e o Céu, entre Homem e Deus, entre a Morte que se vive e a Vida que diariamente se morre, entre o Apocalipse e o Renascimento, eis que não me restam dúvidas sobre a sagrada aliança a fazer.
É a fraqueza e o medo que empurra todos os que escalam o Poder. A verdadeira força, com efeito, não procura o Poder, vive-o. Só os fracos, medrosos, covardes são violentos e só os violentos procuram o poder fortuito e efémero da política, do dinheiro, do automóvel, da posição, etc.
Os fortes, - os que têm por si a Natureza, a força da Natureza, a ordem da Natureza - não são violentos nem procuram o poder por meios violentos.
As energias que, no templo de Nyima Dzong, praticam azanas e prosternações, entoam mantras, abrem clareiras de silêncio em que o universo comparece (como de repente o sol num dia escuro de breu), fizeram a sua aliança e não mais admitirão argumentos ingénuos, hábeis alibis, famosas ou famigeradas demonstrações sobre a inviabilidade da vivência búdica, da via tântrica, da Libertação.
O salto qualitativo e o recuo necessário para perceber a burla ocidental - Progresso, Sentido prático, acção activa, intervenção constante, violência e violentação sistemática da ordem natural, etc. - esses jovens o deram numa única cambalhota que podia ser mas não foi mortal.
Alguns, momentaneamente, passaram pelos fumos ou pelos ácidos. Instantaneamente, também, aperceberam-se da burla que mais essa armadilha (derradeira armadilha?) da Corrupção lhes punha.
E saltaram o arame farpado. Enxugaram as lágrimas. Atiram para o saco da Mafia os pózinhos de perlimpimpim com que o traficante compra almas e Energias a troco de dólares.
Borrifaram-se nos paraísos artificiais, uma vez conhecido o natural. Mas saltaram sobre o abismo, hiante como as gargantas de Verdon na passagem entre Soleils e Castellane.
De uma assentada, enquanto o diabo esfrega um olho, estes jovens são hoje no Mundo mais velhos e sábios que os sábios e velhos.
SE OUTROS MOTIVOS NÃO HOUVESSE
Se outros motivos não houvesse - a liturgia da cor, do som, do cheiro e da luz, a beleza exaltante das mandalas e tankas, o discurso cartesiano-platónico do Mestre e seus ensinamentos, as quatro montanhas sagradas que rodeiam o Chateau, o arroz, o «épautre» (essa poligonácea desconhecida dos animais da planície...) , o «sarracin», o ar fino e as vibrações que emanam desta terra pura, desta terra santa, desta terra sagrada, bastavam para nos avisar de onde e para onde os ventos históricos vão soprar.
Se outras razões e forças não houvesse, anunciando aqui a madrugada do Novo Mundo que nasce, bastava-me saber que aqui se está gerando, como esse bebé de seis meses, o primeira nascido em Nyima Dzong, a maior força do Mundo Actual para saber com quem realizar o definitivo pacto de Aliança.
MAS QUE ENTENDO POR FORÇA E PODER?
Mas que entendo por força e poder?
Durante uma semana observei o não-agir destas energias; os 18 que habitualmente trabalham e vivem em Nyima Zong, mas também a outra meia centena que veio de Atenas, Bruxelas, Paris, Lisboa.
Durante uma semana e à luz das (minhas) inaptidões, do meu medo ao frio e à lama, da minha falta de técnica na posição Lótus, do meu horror ao sal, da minha pavorosa ânsia pequeno-burguesa de conforto e climatização artificial, à luz da minha tentação pelo açúcar e do meu voraz apetite por aquele pão ázimo que o Rui maravilhosamente amassa, leveda, tende e coze (melhor do que Cristo o faria ), todas as semanas, para alimento da família, durante uma semana fui repórter de acontecimentos. Logo, esvaziei-me, o melhor possível, de ideias e (pre)conceitos.
De juízos e prejuízos. De leituras. De palavras. Aprendi que havia um Jejum de palavras tão importante como o de pão. Um jejum de ideias mais importante que o jejum de palavras. Um jejum de ambições e desejos mais importante que o jejum de ideias.
Limpei os óculos de ideologias e sistemas, desembaciei o aparelho perceptivo, tentei deixar no vale do Verdon metade da arrogância que transportamos sempre connosco como defesa e anti-corpo das violências ambientais.
Tentei sintonizar assim, um pouco melhor, com os acontecimentos para melhor os compreender.
Que força, então, que poder julguei perceber através da minha névoa mental, da minha ideologia deformante, do meu materialismo dialéctico, do meu ateísmo, do meu racionalismo sergiano, do meu surrealismo e do meu niilismo, dos meus preconceitos duros como calhaus - de intelectual, ex-crítico de cinema e poeta lírico automaticamente expulso das agremiações de classe?
Hoje posso agradecer aos que, por pedradas, caneladas e nódoas negras, me empurraram até Nyima Dzong. Sem eles, nunca teria pisado a terra pura de Nyima Dzong, ouvido claramente de onde sopra o vento, sabido onde está a força de todas as forças.
A destruição do ego seria, em palavras aproximadas e naturalmente paradoxais, o que traduz essa força.
Posso entender a outra luz uma quase esquecida frase de uma qualquer má tradução da bíblia cristã: "aquele que quer salvar-se, perder-se-á; aquele que se perder, salvar-se-á.»
Claro: se ardentemente desejamos uma coisa e nela investimos, nela jogamos, é óbvio que obteremos o seu contrário.
Se disciplinadamente, paulatinamente, diariamente, destruirmos um ego quase solidificado de tão forte e poderoso, eis que a dialéctica dos contrários nos avisa: é possível avançar então e talvez para um estado em que, libertos do ego e suas forças negativas, há-de nascer em nós, Comunidade de energias já não individuais nem livres, há-de nascer, há-de crescer em nós e na Comunidade a Força de uma Energia Una.
Eis algumas palavras toscas com que procuro dizer o indizível.
Aponto uma (hipó) tese a partir do que observo: não é por desmazelo ou desleixo que na comunidade se reduz o conforto, o tempo gasto com a toilette pessoal, os cuidados com a saúde, os preparos culinários e, até, a correcção das asanas.
Penso que todo esse relativo - mas não ostensivo - desprezo ou menosprezo pelo que resta de um ego terrivelmente egoísta, penso que esse "détachement", essa nenhuma procura de nenhum alvo, nenhuma perfeição, nenhuma meta, nenhum ideal, nenhum poder, é o Caminho da Clara Luz Primordial, o Ensino, o Vajrayana, o Dharma, a Disciplina, o Tantra, o Yoga.
A nudez ou jejum de poderes é, em última instância, o Poder, cujas metáforas mais próximas (o Sol, o Diamante, a Luz) não me deixam hoje qualquer dúvida.
DA FAMÍLIA BURGUESA AO COMUNISMO ORIGINAL
Pensadores de todos os quadrantes ideológicos , quando ouvem falar em "dissolver a família" quedam-se apopléticos, como se a família não estivesse há muito dissolvida e dissoluta, como se efectivamente tivesse sido, alguma vez, como eles gostam de apregoar, a célula-mãe da sociedade. Da sociedade burguesa talvez.
Quando David Cooper, no meio de uma linguagem tão cerrada como a sua cerrada barba, desafia com certa raiva a estabilidade da família burguesa, ninho de neuroses, eis que raios e coriscos o fulminam, à sua anti-psiquiatria (ainda) de salão e à sua ousadia ou heresia de ter ido procurar a família e a verdade no Tibete dos lamas,
Quando Engels historia, à sua maneira, as origens da Família e da Propriedade privada, confundindo providencialmente os narizes, logo engelianos furiosos entronizam o que supõem ser um conceito "revolucionário" contra a família.
No entanto e nos países mais socialistas a caminho do comunismo, restos da sagrada família em tripé - pai, mãe, filhos - atestam que não é assim tão fácil desintegrar uma instituição que séculos de superstição, juntamente com necessidades (até) biológicas e económicas, cimentaram e consolidaram em termos difíceis de subverter. E muito menos fácil ainda, se para a família burguesa se não apresenta uma verdadeira alternativa .
Não vou alongar considerandos sobre a família, até porque não me parece honesto bater no céguinho quando todos batem, nem explorar os sentimentos altamente familiófobos que facilmente se aninham entre os que têm desse pequeno e terno inferno a domicílio a experiência de três assoalhadas ou, mesmo, a de uma barraca não assoalhada no Bairro da Alegria.
É fácil maldizer a família, quando a razão de maldizer é, antes da família, a não habitação, a habitação degradada, a habitação insalubre , exígua, inabitável.
Pela parte que me toca tive uma família regular. Por isso sou regular. Levei porrada em menino, pois claro, não me faltou aquele indispensável chá tão bom para as casmurrices da puerícia, aquela dose homeopática que nos torna menos mimados e, desde logo, mais imunes às caneladas do mundo externo que esse, sim, morde que nem cão desaçaimado.
Tenho boas e más recordações de infância e não iria, com base nelas, construir nenhuma teoria destrutiva da família. Nem mãe possessiva, nem pai tirano, foi-me dada em sorte aquela mediania que afinal me define, mediano, carácter, ambição e presunções
Até sou, verdade se diga, um gajo modesto, e à família modesta o devo.
Sem história (chorada em berço de enxerga ou cantada em berço de ouro), portanto, que valha a pena contar ao psiquiatra ladino, um facto no entanto me obcecou até há pouco tempo: quem teria tido a triste ideia de me por neste Mundo e porque foram os meus pais os veículos dessa tristeza que hoje se chama Afonso Cautela.
Inconformado com mais esta reincarnação, iludido ainda sobre um livre arbítrio em que acreditei, julguei poder atirar culpas à paternidade (ao pater família), satisfeito por encontrar bode expiatório à angústia incurável de existir. Sei hoje que é injusto inventar bodes expiatórios, sei hoje que vim a este vale de lágrimas mais esta vez por minha exclusiva culpa, porque me comportei, certamente, de maneira pouco airosa e quem sabe se pecaminosa nos vales de lágrimas antecedentes. Os pais que me perdoem tê-los culpado, não têm culpa nenhuma das minhas culpas.
Subverter a família como célula burguesa é, portanto, um projecto político, logo demasiado fácil e superficial para ir ao fundo da profunda questão que é saber-se a família o lugar humano onde na Terra reentramos de novo no ciclo cármico da (nossa) expiação.
Doce ilusão é reduzir este núcleo de espanto onde mergulha a nossa raiz eterna a uma estrutura social ou mesmo antroposocial. Doce ilusão das muitas em que um positivismo cor-de-rosa, suposto realista, experimental, científico e etc. repousa. Mito entre tantos mitos. Fantasma entre tantos fantasmas.
No yoga tântrico, porém, trata-se de por todos os fantasmas em debandada. Realismo, se o há, é por aqui. E materialismo histórico é aquilo a que têm chamado misticismo, metafísica.
Como se vê em Nyima Dzong, a Grande Família Humana floresce: 18 irmãos aí vivem, muitas vezes dezoito poderão vir a viver.
De ano a ano, de Losar a Losar, a família converge ao Lar. São irmãos. Uma pedra é ou foi posta no passado familiar de muitos. Uma borracha invisível apagou o itinerário familiar de outros.
Chico, Rui, Fernando, Zé, Teresa, Maria, José, Luís, eles são na irmandade estes primeiros nomes.
Alguns me advertiram de que não acrescentasse nunca, ao nome da Irmandade, os nomes de família. Alguns, de famílias conhecidas (ditas boas famílias) portuguesas,
Sem enfáticos discursos sobre a subversão da família, eis a Comunidade como Família do Futuro que em Nyima Dzong começa.
Se tiverem outra anarcosolução alternativa desta para uma prática efectivamente subversiva da estrutura familiar burguesa, digam-me por telex: terei muito empenho em emendar a mão.
Neste momento e a nível do mais forte pilar que sustenta a ideologia burguesa , mesmo (e principalmente) remanescente nas sociedades socialistas ou a caminho, não conheço, outra alternativa, outra solução mais pacificamente revolucionária.
Ainda não tem um ano o filho do Rui, alicerce da idade de duro que aqui nasce em Nyima Dzong.
UM PEQUENO EXEMPLO ILUSTRATIVO
Um pequeno exemplo ilustrativo de como a Comunidade é uma alquimia silenciosa transpondo a sociedade podre e velha através do mais recôndito coração dos homens, na sociedade aberta, fraterna e feliz da próxima idade do Aquário.
Se eu tento, com a clássica inaptidão própria do sexo masculino para as lides da casa, (os hábitos culturais impingem à mulher esse trabalho que se torna então tabu para o homem) cozinhar os flocos para a A.C., é fatal e sabido que, ao mínimo deslize, a esposa me dará a entender quão desastroso foi ter esturrado a papa ou não por a pitada certa de sal.
Enfim, defeitos do esposo na manipulação doméstica, - a escolha de um móvel, o mais insignificante pormenor do xadrez caseiro - eis que a esposa lhe não perdoa a inabilidade, o erro, o defeito.
Ampliado ao nível da sociedade em geral, este pormenor transforma-se no terrorismo quotidiano do bem e do mal que todos conhecemos.
Entendo que a revolução se opera quando, na outra família de Nyima Dzong, um princípio reina aí sobre as relações entre as energias: defeitos, erros, inabilidades, hábitos, vícios, fraquezas, (sal a mais, sopa com bispo, etc.) em vez de uma (carinhosa embora) recriminação da esposa, transmutam-se no dinamismo positivo que serve a comunidade familiar.
Considero revolucionário este princípio: as energias que são as pessoas deixam de estar hierarquicamente interdispostas numa jerarquia de competências técnicas para porem toda a energia (mesmo negativa) ao serviço do colectivo, no cadinho mágico ou alquímico do trabalho colectivo.
Quer vocês , meus senhores, riam quer trocem, quer franzam ou não a venta, passa por aqui o comunismo de Rio de Onor.
Para a aldeia futura de Nyima Dzong é urgente estudar os Rios de Onor que alguns Jorge Dias salvaram da extinção absoluta.
É urgente que a comadre Fundação Gulbenkian reedite as obras monumentais que no futuro serão bíblia e manual para os tempos difíceis de reconstrução mundial.
É urgente, nos tempos difíceis de Kali Yuga, reeditar em pleno toda a informação possível sobre a riqueza ancestral de tecnologias, indústrias e artes populares.
Ofereço-me para carpinteiro da aldeia comunitária de Nyima Dzong.
FAMÍLIA, TORTURA A DOMICÍLIO!
Paradoxalmente são os miniabsurdos (dos) eventos quotidianos que (nos) levam à consciência de uma Macrológica ou Macrodimensão.
O Logos Universal acaba por se nos impor à custa de pequenos, avulsos, continuados e reiterantes absurdos vividos ou sofridos no mesocosmos quotidiano.
Começamos a perceber-nos como um ser cósmico depois de muito entalados e baralhados num labirinto onde as contradições se chocam num fragor infernal, onde tudo - e principalmente o que julgamos ser mais digno de ser estimado e amado - nos desilude com a opaca brutalidade do irremediável.
Se a destruição do ego compreende várias etapas no desprendimento dos nossos bens, desejos e afectos, não custa perceber de que maneira o Logos Universal ou Mecanismo Universal da Predestinação age em nós para nos "ajudar" a quebrar laços e raízes que, no fundo da nossa (in)curável egosentimentalidade, serão sempre os laços mais difíceis de quebrar: os do coração.
Houve quem dissesse - honestidade ou cinismo? - que o amor é um hábito. Toda a minha bioestrutura se revolta, porém, à ideia de que o meu amor pela A.C., de 5 anos, é apenas um hábito, é apenas a deformação do (meu) ego, é apenas uma tentação e uma armadilha mais para (me) prender ao mundo inferno das aparências, é apenas um travão que me impede de subir dos mundos infernos aos supernos.
Chamo a isto - a estes «affaires» do coração - os pequenos absurdos que fazem compreender a maravilhosa lógica do Todo.
Se tudo se passasse perfeito com a A.C., se ela não fosse (um pouco) teimosa e não criasse, com essa teimosia, situações que vão contra si própria, se eu não tivesse que me "zangar" com ela para ela não fazer coisas que lhe fazem mal, se nenhum facto (dito) negativo viesse ensombrar a suprema maravilha do mundo que é uma Criança crescendo, o amor por ela (e o tamanho deste ego egoísta...) acabaria por assumir proporções de doentia obsessão.
Ela defende-se desta invasão de amor e defende-me do ego. Tem suas teimosias. Suas birras. Suas más criações. Seus comportamentos miniabsurdos à luz mediana do mesocosmos. Seus caprichos , veleidades, amuos.
Com estes exercícios do já seu próprio ego, ela defende-se do terrível ego meu que, de outro modo, sem os obstáculos, criaria raízes (e o amor é a raiz maior) até ao centro da Terra.
Compreendo então outros miniabsurdos que sucedem no antro familiar – aí precisamente onde o ego corre os riscos maiores, ai onde os vínculos seriam, em principio, mais fortes, mais sólidos.
E a família (não) será, paradoxalmente e, logicamente, essa doce, terna tortura a domicílio, que me (não) empurra para Nyima Dzong
DAR LUZ COMO O FOGO, MUDAR DE PELE COMO A SERPENTE
(In «A Capital», 17-10-1979)
Decifrar símbolos é uma fase adiantada da aprendizagem iniciática.
Poucos sabem decifrar símbolos, que são, por seu turno, um recurso de linguagem profana posto em acção quando - para dizer o indizível - o espírito humano da lógica formal se vê em apuros.
O símbolo não surge, portanto, na Tradição Primordial Viva, com a intenção de ocultar ou tapar algo de claro mas obedecendo à necessidade humana de clarificar em termos humanos a palavra (ainda) humana que, pela profundidade, complexidade ou simultaneidade dialéctica de significações, começa a ser inexprimível pelo discurso directo, unilinear, não-simbólico.
Símbolos como a mandala expressam, acima de tudo, a multiplicidade na unidade, a multiplicidade e por vezes a contraditoriedade de significações do conhecimento quando atinge níveis (já) iniciáticos.
O símbolo revela então bem e mal, ao mesmo tempo, frio e quente, céu e terra, inferno e paraíso, o desespero que há na esperança, a maldade que há na bondade, a tristeza que há em toda a alegria, o positivo que há em todo o negativo.
Como dizer, ao mesmo tempo, com a lógica formal, que estou alegre e triste?
Só pela símbolo o poderei dizer.
A específica linguagem do Principio Único aparece-nos poética porque é a linguagem do símbolo.
Decifrar o símbolo implica certo treino na arte de aplicar o Principio Único às diversas circunstâncias do Mundo.
O Novo Losar ou Ano Tibetano, a cujas cerimónias pude assistir em Nyima Dzong, é o Ano da Serpente de Fogo.
Como todos os signos do Zodíaco tibetano, a Serpente de fogo é o signo polivalente de significações a interpretar com toda a arte e intuição de que formos capazes. Neste trabalho, o Mestre deu-nos o fio da meada: Pegando nesta ponta do fio, tentemos nós, sem incorrer no pecado de indisciplina intelectual, prosseguir a interpretação do símbolo.
Vou, para isso, apenas sublinhar alguns dados que cada um interpretará depois de acordo com a sua imaginação e a sua arte ou técnica de decifrar símbolos.
Arte ou técnica tão frequente no Mundo iniciático como a alfabetização escolar no mundo profano. É mais triste, porém, ser analfabeto dos símbolos do que analfabeto de letras.
Serpente de Fogo, ano decisivo para a irradiação do yoga tântrico na Europa, da Sabedoria alquímica que transmuta a Dor em Felicidade, o Sofrimento em Conhecimento, a Morte em ressurreição, a Doença em Reconhecimento.
Serpente de Fogo, ainda enroscada na sua matéria imponderável mas incandescente, serpente que em silêncio desenrola o seu poder, serpente que acorda o Mundo da letargia tóxica de mil venenos, serpente que coleia, subverte o mal, dá poder e força às forças positivas do bem e da vida.
Serpente de fogo que ateia os corações não para os queimar mas para os transmutar, fogo que velozmente se propaga , ilumina, que controlado, disciplinado, "domesticado" - é motor, energia, força propulsora, dinamismo imponderável, quente vibração, ternura, alegria.
A VIA MÂNTRICA DO SOM,OU A ETERNIDADE DO INSTANTE
(In «A Capital», 17-10-1979)
Talvez permaneça enigmático até ao Principio dos Tempos um facto na aparência banal que especifica, com alguns outros, o veiculo tântrico de Iniciação.
Refiro-me ao papel dos sons na Caminhada para a Luz, para o Sol, para a Verdade.
Sendo o Som, como afirma David Lowenthal, a forma de energia mais rapidamente degradável e, entre as formas de energia, aquela que não só mais evidencia a efemeridade humana como a rápida mutabilidade de quanto existe, - porque seria precisamente ao Som, à tradição oral, a mensagem dita e transmitida de boca a orelha, de geração em geração, de mestre a discípulo, que a tradição (esotérica) tibetana confiou os mais secretos ou óbvios ensinamentos?
Muitas explicações de primeira instância podem ser dadas, mas estou convencido de que nenhuma delas explica total e profundamente o enigma. Aproximam-nos dele.
Vejamos aquelas razões que podem confortar o nosso juízo racional, o estádio do nosso Discernimento a que Oshawa chamaria intelectual.
O som simboliza, precisamente pela sua rápida corruptibilidade, o melhor depositário do incorruptível.
O som é a forma de expressão que mais se aproxima do silêncio e a mais elástica ou maleável, a menos rígida.
O som é a linguagem "ou letra" que mais se aproxima do espírito, fugindo aos perigos e alçapões da letra. À inércia da Letra.
O som é o instante e simbolicamente a eternidade do instante, o centro da infinita mandala.
O som (re)vive com uma potência infernal à medida que o tempo sobre ele estratifica emoções. Uma canção de infância provocava crises de melancolia mortais nos soldados suíços que serviam em França nos séculos XVII e XVIII.
Num livro de Herman Hesse, O Jogo das Pérolas de Vidro, encontramos músicos itinerantes e menestreis a quem "os laços místicos com idades e culturas passadas" permitem tocar a música de épocas antigas de maneira perfeitamente autêntica ... exactamente como se todos os estilos e realizações ulteriores tivessem ficado ignorados."
A experiência comum mostra que é suficiente ouvir ou recordar apenas uma ária familiar para que voltem imediatamente ao espírito cenas esquecidas há muito, muito tempo.
A ária de uma canção - um "fragmento do passado", segundo os termos do ensaísta suíço Jean Starobinski (La Transparence et L'Obstacle) «reaviva na nossa imaginação a vida que se escoara..."
Segundo Senancour, " os lugares sublimes produzem uma impressão mais profunda e durável pelos sons que emanam do que pelo aspecto "visual” .
" Se a nossa memória funciona, todos os sons" - escreve David Lowenthal, que estamos seguindo nesta enumeração de casos » - podem evocar o passado, mas alguns parecem incarná-lo de maneira muito particular."
Faltará dizer que o som é, através dos tempos, a forma mais antiga de linguagem, e que a percussão de instrumentos foi, e ainda é, a telepatia mais naturalmente usada pelos povos sem telefonia nem telegrafia nem televisão (felizes povos...).
Se me não engano, enraíza aqui, na sua mais rigorosa significação, a frase bíblica " O Verbo é Deus", que se deveria traduzir por «O Som é Deus.»
AINDA O FUNDAMENTO TERMODINÂMICO DA MORAL - NIRVANA É O OPOSTO DIALÉCTICO DO DESESPERO (AVIADYA)
Começa a compreender-se melhor a famosa "serenidade búdica" quando se levam às últimas consequências as premissas do desespero humano.
Antes e depois do Desespero, antes e depois de Nyima Zong.
Na cultura ocidental, alguns fizeram do suicídio a meta para esse desespero e muitos, talvez todos, pensaram que o suicídio era e podia ser a "libertação de todos os males", a suprema evasão de todas as cadeias e de todo o sofrimento.
Considerando que é essa mais uma ilusão ou véu de Maya, um fantasma em que certas formas ou mitologias culturais acreditam, eis que a concepção tântrica começa o seu desespero onde o ocidental o termina.
É a partir daí que o verdadeiro desespero nasce e cresce: a partir do momento em que (verificamos) o suicídio nada resolve, só atrasa, porque a morte não existe e todos os seres estão condenados à Imortalidade.
O verdadeiro desespero - quiçá a verdadeira esperança - começa com a concepção reincarnacionista do budismo, com a Roda do Destino, com a Lei do Karma, com a Imortalidade dos Seres.
Mas - como toda a face tem um dorso e todo o verso um reverso - a esse extremo desespero corresponde a extrema serenidade do nirvana búdico, do satori.
Quando se sabe que já nada importa porque nenhum acto humano é capaz ou suficiente de mudar seja o que for da Ordem Universal (que, no entanto, é permanente mudança na sua imutabilidade) atinge-se o limite do desespero e o limite da serenidade também.
Quando se constata que toda a intervenção na malha cósmica é irrisória e só vai complicar a evolução ou ordem natural, começa a compreender-se também o abstencionismo das atitudes classificadas do exterior como escapistas ou abstencionistas.
Não se trata, porém, de abdicar da luta - nem de aniquilar a vontade e o desejo de agir ou intervir no curso dos acontecimentos, como julga fazer o suicida. Trata-se de diminuir o Sofrimento ("Diminuir aritmeticamente a Dor do Mundo" dizia Camus) diminuindo o peso da intervenção na malha cósmica.
Trata-se, em qualquer caso, de intervir mas intervir correctamente. Porque toda a intervenção fora da Lei, da Ordem cósmica, causa sofrimento, dor, sangue, lágrimas, violência.
Para saber como intervir, em que termos, em que tempo, com que força e artes, se torna indispensável a Iniciação, o Vajrayana, o Ensinamento e o Conhecimento.
Queixamo-nos, passivamente, puerilmente, da violência e da repressão política, económica, sexual, moral, cultural. Temos Marx que demonstrou cientificamente a dialéctica histórica das classes, a existência objectiva de explorados e exploradores.
Sem ignorar nem negar nada disso, porém, somos diariamente agentes de violência sobre a ordem cósmica da Natureza, sobre a Lei, sobre a Inocência da Clara Luz Primordial. No comportamento privado, familiar, agremiativo, partidário, somos agentes mais ou menos voluntários, mais ou menos inconscientes, de uma violência com efeitos acumulativos sobre o campo magnético.
Violando a Lei, o Dharma, através de pequenas ou grandes coisas e acções, descarregamos sobre o "ambiente" a força de vibrações negativas que vão agravar e nunca diminuir a violência - inegável - da repressão política, económica, sexual, moral, cultural.
Não se trata, pois, de ignorar ou negar a violência institucionalizada como facto histórico: trata-se de meter na equação, também, a violência mais subtil mas não menos real que introduzimos no ecossistema através de comportamentos que, no mínimo, denominaremos anti-ecológicos.
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CONDENADOS À IMORTALIDADE
Quando se sabe que estamos condenados à imortalidade e que só a evolução (meta)física, a conquista de estádios avançados nos libertará progressivamente do carma e do peso das sucessivas expiações;
Quando se constata que o suicídio, em vez de nos libertar da Roda e resolver os nossos problemas apenas os complica, porque os adia - obrigando-nos a voltar à Terra maior número de vezes e em condições cada vez mais trágicas, de maior dor e sofrimento;
Quando se conclui que nascimento e morte são formas ilusórias de perceber a permanência do Ser, produtos alucinatórios do nosso deficiente (intoxicado) aparelho de percepção a que chamamos "corpo";
Quando se verificam estes e outros truísmos, uma obsessão passará então a dominar quem de tal se apercebeu: ocupar todos os minutos e oportunidades, não já e não tanto a "salvar o Mundo" (o Mundo está salvo e somos sempre nós quem precisa de se salvar ), a "mudar o homem", a "reparar injustiças" mas a libertar-se da Roda cármica pela obediência cada vez mais estrita às leis físicas que regem o Todo.
Ajudando os outros a libertar-se também, pode chegar-se a fazer outro tipo de acção "política" pela arte da não violência e do não agir contra a Natureza.
É importante sublinhar que o não-agir tem, na via tântrica, o rigoroso sentido de agir na via correcta, abstendo-se de agir nas vias erradas da Ignorância, do Medo, da Cólera, da Inveja, da Suspeita, do Desejo.
Agir na via correcta do Vajrayana é agir naquilo a que chamei a macrodimensão .É portanto o não-agir na via incorrecta da mesodimensão ou Mediocridade institucionalizada.
O que outros chamam apelo ou conversão mística é , à luz do yoga tibetano, apenas esta percepção da Roda Infinita onde estamos pregados - como Cristo à Cruz... - a necessidade que de repente compreendemos haver de referir tudo ao fundamental, ao absoluto, ao que decide, desde sempre, sempre, para sempre, da (nossa) libertação.
Será egoísta ou egotista esta atitude..."mística"?
Assim a consideram os que julgam tudo pelas aparências, quer dizer, na perspectiva do Mesocosmos. Mas torna-se claro, para quem começa a viver na dimensão do Macroscosmos, que nada tem de egoísta ou egotista uma atitude que se limita a não introduzir mais violência desnecessária no Ecossistema Terra.
Ao perceber que sou imortal e que só me resta a libertação do ciclo ou cadeia ou malha, todo o meu procedimento tenderá naturalmente para o estado de Bottishava, para formas cada vez mais intensas do maior altruísmo.
Porque o altruísmo é então e só então fisicamente indesligável da minha própria salvação ou libertação (meta)física. Fazendo o mal - digamos qualquer tipo de violência - aos outros seres, sei que o estou fazendo a mim, sei que estou atrasando a minha marcha, sei que estou contribuindo - como carambola no bilhar, como laçada na minha camisola de malha ...- para o meu próprio mal. Estou rasgando o tecido da (minha) Existência.
Abstenho-me de agir em violência, abstenho-me de qualquer mal sobre os outros seres- homens, titãs, animais, espíritos, fantomas, de deuses... - não porque sou bom (há maldade no fundo de toda a bondade e bondade no fundo de toda a maldade!) , nem sequer pelos outros e por amor dos outros (há ódio no fundo de todo o amor e amor no fundo de todo o ódio!) mas por mim e por amor a mim próprio, amor este que significará, in extremis, a destruição do ego que ainda hoje me permite falar em mim, em eu, em mim próprio.
Este o fundamento da moral búdica tibetana.
Este o fundamento de uma moral possível e lógica.
A SERENIDADE DA RESIGNAÇÃO, O ESPANTO DA ETERNIDADE
O extático (estático) do lótus búdico, tantas vezes acusado de quietismo meditativo e abstencionista por uma óptica ocidental zarolha e míope, é simultaneamente o pasmo e a resignação, o espanto e a serenidade fundidos na mesma atitude.
Surpreendido pela "revelação", de repente apanhado na malha (tantra) infinita da Imortalidade, sabendo-se condenado à existência das sucessivas existências, o aprendiz ou noviço fica, ao mesmo tempo, extasiado e estático, mudo de medo e alegria, sem saber que dizer porque as palavras evaporaram-se de sentido e já nenhumas conseguem traduzir o que foi dito por um relâmpago no instante que dura um relâmpago.
(Os relâmpagos, na Terra Pura ou Terra Santa de Nyima Dzong , fazem parte da iniciação).
Nada do conhecimento fundamental pode ser transmitido, dado ou comunicado por outra via: o que vem pela cabeça, pelo livro, pelo conhecimento discursivo, pela ciência analítica, pela lógica formal não opera no iniciado a "revolução" que uma simples fracção de segundo - que um relâmpago sobre as quatro montanhas sagradas de Nyima Dzong - pode operar.
Quando se trata de perceber tudo, essa percepção não tem duração no tempo.
Vê-se também porque é que a iluminação da Via Rápida - Vajrayana - é uma conversão mais poderosa do que qualquer outra opção, política, religiosa, moral, etc De qualquer outra opção que tenha entrado pela porta intelectual do particular.
Aperceber-se subitamente da verdade obriga, de facto, a pôr tudo em nós no ritmo vibratório dessa Verdade.
Não quer isto dizer que de repente o aprendiz de iniciado se faça um poço de virtudes e o seu comportamento resplandeça já nas mil luzes de cento e oito lamparinas acesas à quinta feira, na expectação do Lama. Tudo o que o aprendiz fizer, porém, - e muito terá de pecar ainda - será de ora avante em função e em juízo do critério último (que lhe foi) dado pela revelação.
(Porque será a palavra revelação tão semelhante à palavra revolução ?)
O iluminado sabe agora que tem a Eternidade à sua frente para fazer o que quiser: não há motivo para pressas e, portanto, para impaciência ou agitação ou irrisórias velocidades supersónicas mas também não poderá parar porque há um ciclo vicioso a quebrar e a libertação a conseguir; o aprendiz sabe agora que tem todo o tempo por si mas que todos os segundos são importantes e ganham um peso que nunca para ele tinham tido; sabe que pode estar descontraído e seguro (faça o que fizer existirá sempre) mas sabe também que se nada for fazendo para escapar ao ciclo das reencarnações terá também uma eternidade de penas, lágrimas, sofrimento, doença, corpo, putrefacção, cancro, misérias terrenas, contradições, Avidyia.
Apercebendo-se ele de como é difícil fugir às tentações - de como é difícil, por exemplo, mastigar lenta e correctamente, uma das operações mais subtis e importantes do Hatha Ioga - apercebe-se ele também de que logro é ainda o Caminho para o Nirvana, para a porta da Libertação.
A serenidade búdica faz-se também desta profunda consciência da miséria em que cada ser está mergulhado e da compaixão que a (nossa) miséria nos tem de merecer.
ULTRAPASSAR AS CONTRADIÇÕES, TRANSMUTAR O SOFRIMENTO
À luz da Revelação todo o prazer é irrisório e só a dor é real.
Porque o prazer afunda-nos no retrocesso, atrasa a nossa evolução, vai implicar, pela lei do Karma, outras dores e outros sofrimentos.
A indiferença estóica perante o prazer está, também, contida na imagem paradigmática de Buda.
O sofrimento é assim estimado porque acelera a evolução e a caminho da Clara Luz Primordial (o Caminho da Libertação e do Nirvana) mas simultaneamente repudiado porque significa, ele mesmo, consciência de um longo, árduo e infinito caminho a percorrer, em não se sabe quantas reencarnações ainda.
Este sentido contraditório da existência, aliás, está sempre presente no Vajrayiana e torna-se cada vez mais perceptível à medida que o yogui, adepto, iniciado ou discípulo se compreende e lê no meio de forças universais em antagonismo perpétuo embora complementar.
Iniciar-se, procurar a via tântrica da “malha apertada", da iluminação abrupta, da consecutiva auto-ultrapassagem é procurar suportar, compreender, superar e transmudar o melhor possível (com o máximo de técnica e de "savoir faire'' essa rede de contradições que só são (entendidas como) contradições, aliás, enquanto a nossa fase de Consciência ou Discernimento as perceber como tal.
Enquanto o niilismo do pensamento ocidental leva a uma autodestruição (suicídio) ou a procedimentos antisociais e não altruístas - diz-se no Ocidente que todos os fascismos começam no niilismo - eis que a espantada resignação búdica do yogui o leva a construir (malgré lui e suas fraquezas) algo de positivo, algo de criador, algo de avançado no mistério e na espiral da evolução " para beneficio de todos os seres".
A iniciação tântrica é socialmente participativa, é altruísta , é fraternal e comunitária, não é escapismo egoísta nem jogo de cabra cega com o Destino, o Logos, o Mapa Mundi da Existência e da Ordem Universal.
CONDENADOS À ETERNIDADE,TEREMOS DE RELER À LUZ DESSE FACTO (CRUEL) O FACTO (TAMBÉM CRUEL) DA LUTA DE CLASSES
As graves e verdadeiras questões que hoje põe ao Mundo e aos homens o desafio do esoterismo tibetano não são as já gastas e clássicas objecções que ao Ocidente tem merecido esse exótico budismo lá do Extremo-Oriente.
A extroversão do ocidental contra a introversão do oriental, um dos muitos argumentos clássicos na mitologia vigente, é assunto francamente ultrapassado.
Verdadeira questão problemática - capaz de pôr knock out qualquer Clube de Roma, qualquer M.I.T., qualquer instituto de Previsionismo e Futurologia, qualquer Academia das Ciências de Moscovo, será por exemplo a que vertiginosamente nos é colocada pelo princípio (eu digo dogma) da Reencarnação.
As injustiças, as violências, as torturas e o sofrimento dos oprimidos com o respectivo carma acumulado pelos opressores, a macrodimensão que é dada aos fenómenos meramente históricos pelo dogma da Imortalidade e da Eternidade, a reviravolta operada na nossa arreigada maneira judaico-cristã de ver a expiação e a luta de classes como capítulo dessa expiação, eis com efeito as grandes questões a não escamotear só porque são melindrosas, porque são impopulares, só porque não seguem a linha de menor resistência da entropia em que esta sociedade vai embarcada, só porque ainda só minorias ou elites as formulam, só porque germinam muitos equívocos à sua volta, só porque abanam de alto a baixo o arranha-céus do nosso sistema mito-ideológico, moral, económico, cultural.
No fundo, todos no Ocidente cristão somos incuravelmente moralistas e cá andou Nietszche a dizê-lo sem que muitos que o leram o tivessem lido.
Incuravelmente convencidos de que existe o Mal em si mesmo e que o Bem é a ausência de Mal, uma meta que terá de substituir, na íntegra, aquele Mal, eis-nos no dualismo, no maniqueísmo, no moralismo, seja ele o moralista do padre e do sermão, seja ele o moralismo do partido e do ( líder) político.
Esta é, sem dúvida, uma das questões mais candentes para quem, como o jornalista, se encontra na Terra de ninguém entre o Profano e o Sagrado, o Exotérico e o Esotérico, entre o Inferno da Política (a História tal como a temos na mesodimensão) e a Política do Inferno (o Enigma da Esfinge que teimamos em decifrar).
Nesta Terra de Ninguém que foi para mim a Terra do Sol de Nyima Dzong, ter de compreender a injustiça, a tortura, os bairros da lata, o sangue, a morte, as sevícias, o horror e o terror institucionalizados, o crime nuclear e os mercadores desse crime, a destruição de recursos e o cinismo da manipulação médico-crática, ter de compreender a Abjecção, o Negativo, o Mal, a Violência, a Dor, a Morte como termos complementares e não como termos contrários, eis o que é, efectivamente, a grande chaga aberta pelo dogma da Reencarnação, um dos primeiros de que estou hoje absolutamente certo, após 44 anos ter suposto possível o suicídio.
Após 44 anos dessa ilusão cor-de-rosa, ela resta totalmente carbonizada à luz do irremediável e do inelutável facto que é a Reencarnação. Felizes dos criminosos que ainda andam convencidos de haver morte, de haver fim, de não haver culpas. Felizes dos que julgam não haver punição - inelutável - para os seus crimes.
Bem podem políticos e seus filhotes chamar-lhe superstição, mito (do Eterno Retorno...), crença, lenda, conto de fadas, dogma (que o é);
bem podem todos tentar afugentar o mais cruel facto físico-químico e a mais atroz das constatações - o Ciclo Ininterrupto da Existência e a Condenação à Eternidade ;
bem podem, com habilidades universitárias e ontológicas, com livros, poemas, hinos, sistemas e religiões, banir com doces ilusões e doces mitos a infinita Angústia de não haver morte;
bem pode toda a linhagem de autores absurdistas afirmar o Nada, proclamar que a Morte existe, logo o absurdo, logo Sísifo, logo Kierkegaard, Camus, Sartre, bem podem todos gritar, obrar, silenciar, cantar, chorar, disparar um tiro nos miolos ou redemoinhar numa dose (i)mortal de ácido lisérgico.
Resistente às intempéries, a milhões de sóis, a raças e civilizações, a micro-mutações de séculos, lá está a Esfinge que já não é enigma mas a rocha que temos de retirar do nosso humano coração apavorado.
COMPAIXÃO E PIEDADE PELOS VENCEDORES?...
(In «A Capital», 17-10-1979)
Não podemos esperar que sejam os funcionários do Absurdo a reconhecê-lo e a denunciá-lo. Não podem ser os vencedores a declarar-se vencidos.
Qualquer cérebro mediano de discernimento mecânico - médico, engenheiro, economista, técnico do Ambiente, catedrático - tomará sempre como lógico o absurdo em que mergulha e tudo fará para demonstrar que a irracionalidade do (seu) sistema é a pura e objectiva racionalidade.
O cérebro mecânico do positivista tomará a nuvem por Juno, a (sua) subjectividade atormentada pela realidade objectiva. Não se aperceberá da fantasmagoria que é o mundo construído sobre a ilusão anti-metafísica e as ilusões da ciência, da técnica, da filosofia, da política, da economia, da teoria daquela ilusão decorrentes.
Não esperemos que sejam os funcionários do sistema a criticá-lo e a desertar de quem lhes paga. Ou a fazer, mais do que reformas no Sistema, a Revolução.
Não esperemos subversão do conformismo reformista.
Alguém, no entanto, haveria de assumir a função histórica de pôr à mostra o sistema, desventrar-lhe as contradições, expor-lhe o absurdo e a irracionalidade intrínseca, demonstrar-lhe a explícita e implícita violência.
Os jovens que deram a volta ao Mundo do Absurdo em 80 dias, os que subiram ao Evereste e de lá avistaram o Fim dos Tempos, estão agora e aqui em boas condições de ver o que telescópios ou microscópios não viram, de saber o que sábios não sabem, de conhecer as técnicas que os técnicos ignoram.
Questão de montanha, altitude, horizonte.
Em Nyima Dzong, no Castelo dos Sois, a 900 metros de altitude, tenham ou não consciência disso, os irmãos desta Fraternidade solar fizeram a ultrapassagem do reformismo; viram o fundo ao Saco industriocrático; pressentiram e perceberam os alibis do sistema que (se) pretende perpetrar absurdos, crimes, vícios, contradições, dizendo que é a favor do homem; assumiram, num relâmpago, a consciência global e ecológica que outros, como eu, levaram duas décadas a (pres)sentir; automaticamente denunciam, pela sua simples existência, a Fraude e a Falência de uma Cultura que tenho gasto milhares de páginas, centenas de livros e dezenas de ensaios a analisar e a desmontar.
PELO PROFANO SE CHEGA AO SAGRADO, PELO MAL AO BEM E PELO ABSURDO À LÓGICA DO LOGOS
(In «A Capital», 17-10-1979)
O Luís chegou de Portugal há uma semana. Em auto-stop, dias seguidas sem pregar olho, comendo com os camionistas de boleia, dormindo com caixotes e mercadorias, com uma pequena mochila e as economias que entregará à Comunidade.
O Luís - não precisa de mo dizer - deu várias vezes a (re)volta ao Absurdo deste Mundo de Absurdo e nele pressinto um pouco do azedume que leveda e envenena quem anda às marradas com o Absurdo deste absurdo Mundo, destas ruas, deste País, deste continente, desta cidade, sem o aceitar, sem se lhe subornar, sem o superar.
Um dia - é verdade - vejo-o, de olhos extáticos, na montanha sagrada, tirando sons de uma flauta enquanto uma cabra pastando, ao lado, completa o quadro que diríamos idílico, teatral, pinturesco, romântico, pintado a óleo ou aguarela.
Mentira: Luís recusa deixar-se fotografar, recusa o quadro alegando que a flauta é um instrumento profano e , na Comunidade, um deslize de que ele se penitenciará.
Ninguém, no entanto, o proíbe de retirar os melodiosos sons da sua flauta, por muito que esses sons desafinem dos mantras admitidos pela disciplina litúrgica do templo.
Será Luís, um dia, quem naturalmente esquecerá a flauta, como esquecerá outros hábitos, até vícios, que a sociedade profana do Absurdo, que a sociedade absurda do Profano impõe à juventude julgando perdê-la.
Ninguém assume voluntariamente o papel de vítima. Ninguém, humano, procura o sofrimento pelo Sofrimento. Mas no Mapa Geral do Logos Universal, é forçoso considerar Bom o que nos acontece de Mau, e Mau o que nos acontece de Bom.
Perceber a lógica deste contraditório é (talvez) o primeiro passo da Iniciação.
Dialecticamente, porém, esta juventude só pode encontrar-se porque se "perdeu".
E ainda que (Luís) não se aperceba disso, claros estão aqui os desígnios de uma predestinação.
Claro é o papel de instrumento que muitos de nós estamos a desempenhar nas mãos do Logos Universal.
Claro é, também, o triste papel dos vencedores, triunfadores, torturadores, carrascos, violentos, prepotentes, gozadores e felizes.
Como o Luís várias vezes me lembrou:
«É preciso dizer aos jovens portugueses a felicidade que representa existir aqui, nos Alpes da Haute Provence, aberta ao Mundo e ao Infinito, à Alegria e à Esperança, sobranceira às gargantas do Verdon - essa líquida serpente em luta eterna com o fogo!, perto mas longe do camping burguês, - este camp out, esta alternativa, esta oportunidade, esta porta , esta solução, este refúgio, esta resposta chamada Nyima Dzong.»
Foi o recado que trouxe do Luís para os jovens portugueses - poucos? muitos? alguns? exactamente quantos deveriam ser - que já viram o Absurdo e deram a volta ao infinito. Aos jovens vencidos de hoje. Para que - alquimia de um amor não sentimental - os vencedores possam também ser salvos do inferno da sua prepotência.
A DIFICULDADE EM SER FELIZ OU AS CONTRADIÇÕES DO PRINCÍPIO LAICO
23/Janeiro/1977
Se a Ordem do Universo é a radical, absoluta e perfeita racionalidade (a "harmonia das esferas"), eis que a racionalidade e a contradição são instrumentos ao serviço da lei universal, da lei cósmica, da lei a que devemos livre obediência.
Fala-me um amigo do "direito à contradição". De que pode perfilhar agora uma afirmação ou juízo ou opinião e logo afirmar que perfilha outra logicamente contrária a essa.
Parece-me este um dos equívocos mais correntes para quem se inicia na dialéctica yin-yang, no ser e não ser de toda a realidade, no fluxo heraclitiano da dinâmica universal, no grande Rio da Vida.
Tudo, com efeito, é e não é, tudo vai sendo, tudo se vai mudando e transmudando: o conceito de tantra começa a iluminar-se precisamente a partir dessas verificações.
Nesse sentido, parece haver um certo fundamento para defender o direito ao Paradoxo.
Eu parece-me, porém, que havemos de distinguir entre a contradição dialéctica e a contradição lógica, sendo esta um terreno inabitável como é o ar sem oxigénio, a terra sem húmus, o mundo sem amor.
O homem tem suas limitações quanto ao meio onde pode viver e sobreviver.
Obrigado a sobreviver no Himalaia , por exemplo, aí se gerou o povo talvez mais heróico e mais forte e mais diamantinamente incorruptível que habita o planeta Terra .
Mas o homem precisa de alimentos, elementos físicos, está em constante troca ecológica com o meio Ambiente e selecciona o espaço de acordo com a sua habitabilidade.
Só os que - como os povos do Himalaia - aprenderam a arte de ultrapassar as limitações, poderão viver e sobreviver em condições inóspitas a outros impossíveis.
Admito que se viva no deserto, nos cumes gelados, no fundo do mar, nos pólos da Antártida; admito que alguns povos possam viver fora do que os livros de Geografia Humana chamam "catecúmena". Mas o grau de iniciação e aprendizagem tem muito a ver com essa capacidade de existir em espaços, habitats ou ambientes de elite.
Daqui se pode tirar uma interessante lição.
Confúcio ou a tentação moralista é ainda uma constante entre os que soletram o Princípio Único e procuram aplicá-lo não só e não já apenas à comida do prato mas às circunstâncias práticas e mais diversas da vida.
Por um lado, sabe-se que o Principio Único é avesso ao dever ser, a dar conselhos para que se faça assim ou não se faça assim.
O Tao é a via livre, mas a liberdade só pode ser entendida como livre obediência à disciplina estrita da Ordem universal, da Lei Cósmica, da Harmonia das Esferas.
Mais uma vez, portanto, parece haver uma contradição: devemos ou não devemos isto ou aquilo? Obedecer ou não obedecer? Somos ou não somos livres de escolher, inclusive o erro, o negativo, o mal, o caótico, o suicídio, a intoxicação, a mentira, o egoísmo?
Enfim, pode ou não pode - à luz do Princípio Único - existir um Estatuto Moral, uma Regra Ética?
Não será ela, se a houver, contraditória do que se pensa do Tao ou "Via Livre"?
O dualismo é dogmático, a dialéctica é tolerante, mas não é tolerante, porém, ao ponto de admitir a sua própria destruição.
Eis o limite para toda a liberdade: é o limite onde a liberdade se pode destruir a si própria.
Fumar ou não fumar, beber ou não beber bebidas alcoólicas, falar ou não falar, fazer ou não fazer perguntas, viver no ar puro da montanha ou no ar empestado da cidade e outros fornos crematórios, - trata-se sempre de cada um decidir por si: mas decidir em função do contributo energético que pretende dar ou receber.
Quer dizer, em termos de Princípio Único, a lei moral funciona em termos físicos, termodinâmicos, bioenergéticos.
De facto eu sou livre de fazer o que quiser (até sou livre de entrar em contradição lógica no que afirmo de minuto a minuto): mas o que eu fizer ao (meu) corpo é função directa do que posso e quero fazer desse corpo como acumulador de vibrações universais, como emissor-receptor de ondas, como magneto, como micro-cosmos do macrocosmos.
Eu sei que posso fumar ou não fumar, comer ou não comer açúcar.
Mas sei também que se como açúcar não posso ter os canais desimpedidos para que a bioenergia circule no seu luminoso esplendor. Há sempre uma condição sine qua non - e essa condição é que é a lei, a lei do efeito e da causa, a lei da identidade, a lei da não-contradição - a limitar o meu procedimento: quer dizer, a preveni-lo num ou noutro sentido, conforme os resultados que eu quiser obter.
Não vivemos portanto no caos do contraditório mas sob a ditadura da lógica, ou antes, da dialéctica, assim como vivemos na ditadura da gravidade, do oxigénio, do alimento físico, do sol, enfim, de todas as condicionantes ecológicas.
Se não comer, morro à fome - mas eu sou livre de não comer e, portanto, livre de morrer à fome.
A ditadura da Lei ou Ordem Universal é que poderá assustar os espíritos ainda mergulhados no pântano liberalista. Não pode nem deve assustar, porém, os que procuram viver, na sua simplicidade, o Princípio Único e aplicá-lo com paciência e prudência às diversas circunstâncias de um quotidiano onde são constantes as tentações, os desvios, os demónios, as armadilhas e os alçapões colocados pelas forças do mal à nossa deliberação de ser felizes.
OS CRIMES DA INDÚSTRIA PESADA À LUZ DA IMORTALIDADE
De todas as descobertas sucedidas após Setembro de 1976, devo confessar que há uma particularmente empolgante, pela originalidade e evidência com que se impõe, com que se impôs aos meus olhos ainda positivistas, impregnados de todo o sarro livresco e cientifista.
Refiro-me ao fundamento físico da moral.
Segundo julgo saber, pelo que me lembro do que estudei em manuais escolares, sobre sistemas morais e sistemas éticos, sempre o fundamento último da Moral se tem apoiado em sentimentos e numa base voluntarista: ora na vontade, ora no imperativo categórico, ora na boa intenção, ora na boa fé, etc. Também houve quem o fundamentasse na utilidade, mas pragmática, exterior ao sujeito que pratica a acção.
A evidência da Imortalidade, porém, a que a macrodimensão cósmica nos conduz, dá à moral um fundamento físico, termodinâmico, energético.
Quer dizer: eu não sou compelido a praticar o bem, ou a procurar saber o que seja o Bem, a conduzir os meus actos em termos altruístas no proveito de todo os seres sensíveis, eu não serei compelido a uma acção boa e não rejeitarei uma acção má, porque sou ou quero ser bom, justo, preclaro, herói, homem de bem.
Nada disso: na roda eterna das reencarnações, na malha apertada da corrente vibratória universal e porque sei ser imortal, não tenho outro remédio - se quero abreviar o ciclo das reencarnações e, portanto, o ciclo do meu sofrimento - do que orientar as minhas acções no máximo proveito dos outros, já que é no meu proveito próprio que o estou fazendo...
Tudo se liga a tudo e o efeito de "boomerang" é um dos que se começa a tornar mais evidente nas primeiras etapas da bioenergia iniciática.
O que fizermos (aos outros) sobre nós recai. Quem cospe para o ar, sobre si cuspirá. "Assim como o fizeres, assim o acharás" ."Quem semeia ventos, colhe tempestades".
Não faltam na mitologia do inconsciente colectivo, de que os provérbios são imagem verbal tão nítida, arquétipos a confirmar esta constante da economia cósmica, esta interdependência ecossistemática ou tântrica que a Ecologia tem também posto em evidência, nos últimos anos...ajudando ao Advento da Era do Aquário.
Embora a Ecologia - note-se - enquanto ciência analítica, e ramo da ciência positivista, seja incapaz de superar os seus limites dialécticos, jamais conseguindo articular todos os fios da intrincada malha ou trama de que os ecossistemas são formados. Daí também que a Ecologia, por si só, acabe por ser engolida, pois é incapaz de se opor ao sistema até ao fim, porque lhe falta o método que consiga pensar o simultâneo e o múltiplo.
Tudo é energia, tudo se liga a tudo, e o que chamamos "praticar o Bem " aos outros é afinal estarmos a preparar, nós próprios, a melhor cama para nos deitarmos. Na medida em que trabalharmos para bem dos outros, estaremos a diminuir a hipertrofia do nosso ego e, portanto, a ganhar terreno na espiral da (nossa) evolução, da (nossa) libertação, da (nossa)salvação. Se o ego é a (nossa) Doença, praticar o Bem é avançar na (nossa) cura.
Esta inversão nos conceitos de egoísmo, altruísmo, sacrifício, dádiva moral, virtude, pecado, etc., parece-me, de facto, uma das conquistas mais revolucionárias a que pode conduzir uma visão macrocósmica da realidade quotidiana e dos nossos procedimentos usuais.
Sempre que a tentação (as chamadas "forças satânicas") nos puxa a uma actuação violenta, egoísta, fraudulenta, lesiva dos interesses e da integridade alheia, sempre que destruímos património energético comum, sempre que vemos responsáveis pela Indústria Pesada e grandes criminosos na sua função e nos seus postos de genocídio sistemático, não os lamentemos por nós ou por aquilo que (nos) destroem, que (nos) prejudicam, que (nos) lesam; lamentemos, sim, sem hipocrisia cristã, eles próprios, os (seus) filhos, os (seus) netos onde porventura eles - pais, avós - voltarão obviamente a reencarnar se assim estiver escrito como necessariamente está.
O VOLUNTARISMO DELIBERADO NO "BEM" PODE SER UMA FORMA DE NOS ABISMAR NO MAL
A esta luz, o problema põe-se de maneira totalmente inversa à forma como tem sido posto pelas morais tradicionais de cariz dualista ou idealista, principalmente pela moral cristã, pelo menos aquela que historicamente tem sobrelevado dentro de outras correntes porventura verificadas nos primitivos e heróicos tempos do primeiro cristianismo (São João Evangelista, por exemplo, seria uma dessas correntes contestatárias mas, por isso mesmo, minoritária no contexto geral das igrejas, católica e cristãs).
O grande esforço exigido ao imortal não é para evitar o Mal e praticar o Bem. Não é o Bem que custa praticar, que exige sacrifícios.
O que a mais elementar observação quotidiana demonstra, é que os maiores obstáculos se põem precisamente a quem queira praticar o Bem...
Nem podia ser de outra maneira.
A tal ponto que, por vezes, a única maneira de praticar o Bem é pela negativa, - quer dizer, por ausência, por abstenção - é evitando praticar o Mal.
Por isso a moral iniciática preconiza, em tais circunstâncias, a táctica de abstenção, a "retirada estratégica", o não-agir.
Este não-agir - que tantos engulhos tem metido aos activistas de vária espécie - é afinal a única atitude possível, muitas vezes, para não se ser obrigado a praticar o Mal, tal o peso da engrenagem, tal a força das forças satânicas, tal a malha das tentações e armadilhas, os absurdos e as contradições da engrenagem, sempre disposta a triturar o imortal nas suas rodas, e a mantê-lo indefinidamente no redemoínho das sucessivas reencarnações.
Há, de facto, uma realidade declivosa à beira de cada um de nós, a que alguns chamam demónios, outros "forças do Mal" outros "abismo" e outros ainda as "tentações de Satanás"...
DESPERDIÇAR BIOENERGIA - PONTO COMUM A TODAS AS CONJURAS E FORÇAS SATÂNICAS
30/Janeiro/1977
Quando a conjura passa a níveis de inconsciente colectivo torna-se extraordinariamente difícil de reconhecer e, portanto, de transmutar
É, por exemplo, muito difícil compreender que estamos mergulhados numa trama ou malha apertada de armadilhas e tentações, porque todas elas se caracterizam exactamente, pelo saber, pelo cheiro ou pelo tacto atractivo. Agradam-nos. Lisonjeiam os nossos sentidos e os nossos hábitos ou vícios de conforto, tranquilidade, inércia, egoísmo, etc.
A própria crítica pode ser considerada uma tentação, uma armadilha, na medida em que se trata de um convite constante à entropia e ao desgaste bioenergético.
A democracia - e seus morosos, dolorosos, complicados processos de decisão - pode ser considerada outra armadilha e outra tentação, à luz do Principio Único e da conservação da bioenergia.
A própria beleza física, numa perspectiva tântrica, é uma armadilha, como armadilha é o uso e abuso erótico com emissão de sémen (bioenergia), como armadilha é o conforte, a facilidade, o bem estar, o convite constante que a sociedade de consumo faz ao homem para gastar e consumir energias externas atrofiando a energia própria, ou para gastar e consumir as suas próprias bioenergias com todo o tipo de consumo provocante, yin, desintegrador , expansionista e entrópico
Supondo, por absurdo, que alguém conseguia escapar a todas as solicitações, armadilhas, tentações e aparências, ( rejeição que constitui em boa parte a parte negativa da via iniciática) automaticamente se constituiria um poderoso reservatório de forças magnéticas e de vibrações cósmicas.
Trata-se de não desperdiçar bioenergia ; e toda a "civilização" está assente nesse desperdício, está - com truques os mais variados e disfarçados dos mais subtis aos mais grosseiros - preparada para que a desperdicemos... Para que tenhamos de nos ir abastecer aos fornecedores habituais de energia, para que fiquemos na sua dependência e sob a sua ditadura, para que não nos libertemos nunca mais.
Medicamentos, café, açúcar, sexo, plenários democráticos, super aquecimento, facilidades de transporte, etc., têm um ponto comum: antepor o consumo de um tipo de energia centralizada , para que o consumidor (potencialmente energia) nunca chegue a perceber que é a maior central energética ele próprio, para que fique escravizado a quem lhe fornece energia exógena e, finalmente, para que tenha toda a vida que trabalhar para o sistema (introduzindo nele a sua própria energia vital, chamada trabalho) que, a peso de ouro, lhe fornece depois essa mesma energia
O conceito marxista de mais-valia aplica-se aqui como uma luva.
RESTA A CADA UM SABER SE O TEMPO DE CADA UM É CHEGADO
(In «A Capital», 17-10-1979)
Cada um tem o yoga que merece. De acordo com o estado de evolução em que se encontra, cada um tem a macrobiótica ou o naturo-vegetarianismo que também merece.
De acordo com a carapaça caracterial que o recobre, cada um, para se autoiludir, inventa os alibis que a sua própria doença impõe, reforça ainda mais essa carapaça caracterial, pela arrogância, pelo egoísmo, pela desatenção, pela desagregação e dissociação interna. Ninguém pode censurar ou lastimar ninguém. Cada um é o que é, dá o que dá, merece o que merece, de acordo com o grau da sua doença ou grau de evolução em que se encontra.
A segunda visita do Lama Kunzang Dorje a Portugal tinha de constituir um precioso teste em que as doenças, as alienações, os vários graus de dissolução, desagregação e regressão, os vários egoísmos, os vários sofrimentos, tinham de ser postos à prova. Esta visita é apenas mais um teste. Foi e será mais um teste em que não podemos fingir.
Uns haverá atingidos mais directamente por este campo magnético. Outros haverá que nem dele ouvirão falar. Outros haverá na zona intermédia que vai da absoluta plenitude e adesão à ignorância absoluta.
Difícil a um discípulo de Buda é compreender e ler, em termos de tolerância e abertura, estas diversas respostas ao facto que de repente surge como um poderoso tornado, como uma violenta turbina, como uma voragem centrípeta imparável.
Os alibis com que as pessoas se escudam para justificar (e defender) a sua própria doença, têm uma lógica tal, impõem-se com tal racionalidade, aparecem de tal modo inevitáveis que não nos podemos admirar da força centrifugadora que esses alibis possuem, distraindo e afastando de "salvação" até mesmo aqueles que dizem procurá-la.
Quase sempre esses alibis se baseiam em tabus, mitos, sofismas ou lugares comuns com alguns séculos de existência no Ocidente.
São princípios que a cultura ordinária de tal modo enraizou (e instintivou) nos seus filhos, que se tomam habitualmente por imutáveis e indiscutíveis. Chega mesmo a haver um sentimento de sagrado em relação a determinados mitos, sentimento esse que os torna ainda mais intocáveis.
É assim que, submetidos à prova de fogo que é o ioga tibetano, que é a visita ou presença do Lama, que é este "campo magnético", este núcleo de forças poderosas, a primeira e mais comum reacção que se verifica é a de fuga. E como o doente tem de encontrar sempre alibis "lógicos" para o seu comportamento (que não quer reconhecer) absurdo, eis que surge uma cascata de desculpas.
Vejamos algumas
1) A mais corrente consiste na ignorância da facto ou na "desconfiança" em relação a "mais" uma seita, uma religião, um profeta, um guru.
Diga-se de passagem que este alibi é um dos mais fortes, porque, nesta Era de Kali Yuga, as pessoas têm uma certa razão em "desconfiar", dado que todos os dias aparece um novo profeta, uma nova corrente, uma nova religião, uma nova escola esotérica que se arroga de possuir a verdade.
O cepticismo instalou-se com base no anarco-liberalismo de tantas tendências, místicas, religiões, práticas, etc.
Daí, também, outro refinado sofisma logo resultante deste, que pode ser o ecletismo.
De um lado, desconfiança sistemática, niilismo, ninguém já quer arriscar-se a crer seja no que for.
Do outro lado, abertura sistemática a toda a fraude, a todas as correntes, o que dá em resultado ser-se por todas e não se ser por nenhuma.
2) Mas há outros alibis com que as pessoas se couraçam a tentar disfarçar a sua doença, a tentar adiar o seu próprio mergulho na Corrente.
A carapaça de qualquer sólido especialista nesta ou naquela especialidade técnica é trinta vezes mais grossa e forte do que a carapaça de um "simples de espírito".
Um físico nuclear, um engenheiro, um catedrático em Biologia, está barricado, defendido, couraçado contra o assalto de qualquer hipótese iniciática. Só um violento traumatismo (um desgosto, uma doença, uma decepção, um encontro) lhe dará qualquer hipótese de "cair na voragem", de cair no "campo magnético" que é a ordem iniciática mais poderosa do Universo.
No caso de um técnico muito especializado ou de um especialista muito técnico, é a rejeição a priori , pura e simples da oportunidade, é o puro e simples desconhecimento do Advento, porque o conhecimento científico (relativo a ciência ordinária) funciona nele de barreira intransponível. A não ser que o tal traumatismo venha em seu auxílio. Se nenhum sismo existencial o abanar, porém, morrerá estúpido. Sem que a oportunidade lhe tenha surgido.
Não será bem a história de Sidharta, mas ela ilustra bem este tipo de alibi.
3) Curioso de verificar, porém, é o tipo de alibis e desculpas usados por aqueles que, em princípio e na aparência, já teriam abatido as sucessiva barreiras de preconceitos positivistas, experimentalistas, cientifistas, etc, etc..
Um adepto da Macrobiótica, por exemplo, teoricamente deveria estar já tão próximo, que a visita, a chegada, a vinda do representante supremo de senhor Buda na Terra o deveria fazer tremer de alegria e festa, numa adesão e entrega total.
Vai-se a ver e os que traficam com o Santo Nome de Buda - restaurantes ditos macrobióticos ou idênticas cooperativas - perguntam primeiro se "a vinda do Lama a Portugal trará vantagens" (sic) para a Macrobiótica e para os macrobióticos.
Se o Lama "trouxer vantagens" - diz ainda um alto dirigente macrobiótico em Portugal - a cooperativa talvez resolvesse apoiar essa vinda...
Curiosas são situações como esta: que o negócio macrobiótico se interrogue sobre as vantagens comerciais de trazer Buda vivo até nós. Macrobióticos de merda...
Atenção, vendilhões do templo: é ridículo que a Macrobiótica conduza a tais estados de doença moral, precisamente porque é tão eficaz a curar a doença física.
Atenção, vendi vendilhões: Vale mais ficar doente do corpo mas lúcido e sadio de espírito, do que ter curado o fígado, a Colite, a tensão arterial, o rim, para ficar assim com a alma tão cancerosa, tão pobre, tão vazia!
Atenção, vendilhões: perante a voragem de uma grande oportunidade - a vinda do Lama -parece ser certa ainda a sentença bíblica de que só alguns serão os eleitos, embora muitos tivessem parecido acorrer ao chamamento...
Vivemos as enormes contradições de uma Era pré-apocalíptica, é certo.
Vivemos a nossa doença em plena Sétima Praga do Egipto, "epidemia ou peste emocional” ( como dizia Wilhelm Reich).
Mas não podemos esquecer que a Macrobiótica, o yoga, o Zen, o Tao, o Santo Nome de Buda não podem se pronunciados em vão.
Paradoxalmente, isso está a servir não para nos iluminar e entregar à via correcta, mas para nos afastar ainda mais dela como satânica tentação. O caos aumenta, portanto, quando pensávamos que ele ia amainar.
Atenção, vendilhões: podemos ser violentamente centrifugados para fora desta poderosa turbina salvadora da verdade, por preconceitos anti-religiosos, cientifistas, ateístas etc.. Mas podemos também ser atirados borda fora, gritando hossanas ao Yin-Yang, ao Principio Único, à Macrobiótica, ao Zen...
Aliás, o Zen e o Tao são uma espécie de quinta coluna instalada no corpo indivisível de Buda.
Eles prorrogam os mitos mais perigosos que podem impedir o "doente de se curar”, o intoxicado de se desintoxicar... Mitos como a liberdade (livre arbítrio), a conquista individual da verdade, a rejeição de um Mestre e de uma ordem iniciática, o ecletismo, o cepticismo, o niilismo, enfim, a desagregação , o caos e a Doença, que, em conjunto, somam todos esses mitos, é de facto a grande mentira, a grande fraude, a grande burla a que está sujeito hoje o adepto de boa fé e de boa vontade.
Testemunho que também por lá passei, pelo Tao e pela Zen. Pela autoilusão da Liberdade (pelo repúdio de uma poderosa ordem e de uma forte autoridade): Ela transmite-se, como peste ideológica, do campo político ao campo que ultrapassa o político.
E defende-se então o humanismo. Defende-se o liberalismo. Defende-se a Democracia, que é para quando surgir Buda Vivo, o Grande Motor do Universo (do Cosmos) contra a Confusão e o Caos, as pessoas se encontrem ideologicamente impotentes, para saber a que força, a que ordem, a que autoridade, a que lei, a que Disciplina obedecer.
Esquecem os vários cepticismos que chegámos ao ponto de ruptura total.
Que, tendo repudiado todos os falsos profetas, todas as falsas as ordens e leis, todos os falsos senhores e mestres, a hora de Buda é chegada. A hora do inevitável é chegada.
Cada um terá, no entanto, o alibi e a autoilusão que merece. Terá a liberdade. de escolher o caos, a desordem, a desagregação, o abismo, a doença, mesmo quando roçou por si o grande motor da Salvação.
Talvez porque não esteja no momento crítico exacto para merecer outra coisa. Talvez. Mas para o saber, ao certo, é necessário um aparelho de percepção cada vez mais nítido e atento. Seria uma pena perder a oportunidade, se acaso era chegado o tempo dessa oportunidade lhe ser dada.
CORTAR A IGNORÂNCIA É APRENDER A ORDEM DO UNIVERSO
15-Maio-1977
Cortar a ignorância tem, nos tantras, um sentido bastante diferente da didáctica positivista em vigor no exoterismo ocidental.
Neste momento histórico, trata-se, até, de cortar a ignorância dos que têm mais ciência, e ignorância sabichona que se arroga o monopólio do conhecimento.
Trata-se de, com a sabedoria tradicional viva, cortar a (ignorância da) ciência analítica, cada vez mais afastada – como os factos mostram sem ser necessário qualquer demonstração - e substituir gradualmente a congestão de conhecimento particulares por uma síntese que é o conhecimento digerido e digerível.
Cortar a ignorância significa cortar mitos, fantasmas, sofismas de que fundamentalmente se alimenta o imperialismo cultural e ideológico imposto aos povos em nome de supermitos como o crescimento económico, o desenvolvimento industrial, o Progresso, o Futuro, o combate ao Analfabetismo, o Combate à Doença, o Combate à Inflação, o Combate à Fome, etc..
Cortar a ignorância não significa acabar com o analfabetismo mas, como as teses de Ivan Illich sustentam, aproveitar o fundo de sabedoria ancestral, prática e experimental que todos os povos possuem, mesmo analfabetos, em vez de matar com a ciência postiça, imposta de fora, esse fundo cultural dos povos a que se chama, com o maior descaramento, superstição, atraso, estado primitivo, subdesenvolvimento, etc..
Cortar a ignorância , portanto, significa fundamentalmente cortar todos os preconceitos gerados por uma ciência homicida e etnocida, que pretensiosamente se arroga um monopólio que não lhe pertence, nem de facto nem de direito.
Uma nota suplementar
Neste fundo cultural que todos os povos possuem, em maior ou menor grau, há uma distinção a fazer relativamente ao conhecimento espontâneo ou original - de que os índios americanos, os bantos africanos, os bororós da América Latina, dão exemplos frisantes, e o conhecimento iniciático que é já ciência, conhecimento elaborado e super-refinado, um estádio efectivamente complexo e profundo relativamente ao saber inegável mas instintivo, selvagem, natural, ecológico daqueles povos,
Basta pensar na prática do yoga relativamente a todas as práticas dos povos pré-lógicos. O yoga, como as massagens, como a alimentação Yin-Yang, como o tiro ao arco, como as artes marciais, etc. são um estádio avançado do conhecimento, ainda instintivo mas muito mais do que instintivo, ainda de acordo com o fundo espontâneo, natural e selvagem mas muito mais do que espontâneo, natural e selvagem Em suma, um conhecimento que, com propriedade, se designa de ecológico, ainda que aquele estádio pré-lógico se possa considerar pré-ecológico também.
O conhecimento iniciático é um conhecimento civilizado, sem que, ao dizer isso, menosprezemos o conhecimento selvagem mas sublinhando que o conhecimento iniciático contém o selvagem enquanto o selvagem não contém o iniciático.
Daí falar-se de intuição onde se julga haver instinto e de imaginação onde se supõe espontaneidade.
Comum a um e outro estádio do conhecimento é de facto o cunho ecológico de harmonia com a Ordem do Universo.
Seja qual for o grau de conhecimento, a única condição é que esteja de acordo com a lei natural, a ordem cósmica, o Princípio Único.
Ignorância é tudo o que hostiliza essa ordem.
Ignorância é a ciência a, a técnica, a política, a economia., a indústria, a medicina, a agricultura, a energia que hostilizam e destroem essa ordem.
Cortar a ignorância (que tem, como se vê, muito de assassina) possui o sentido muito preciso de cortar toda a acção, ideia ou prática que não está de acordo com a Ordem do Universo, quer dizer, com as leis científicas.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi parcialmente publicado no jornal «A Capital», em 17 de Outubro de 1979
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8 DIAS EM NYIMA DZONG NO ANO DA SERPENTE DE FOGO(*)
A VOLTA AO INFINITO EM OITO DIAS AOS PÉS DO LAMA NA TERRA DOS MIL SÓIS
No tecido do Universo, o Yin-Yang tem a função desempenhada por duas agulhas de tricotar malha. Tantra pode significar malha.
A Lógica universal ou Ordem do Universo corrige a lógica formal aristotélica da ciência analítica.
O Universo é como a Serpente que vagarosamente se devora a si própria.
Nietzsche/Zaratustra
NOMES DE AUTORES OCORRENTES NESTE TEXTO:
Albert Camus
Carl Jung
David Cooper
David Lowenthal
Erich Von Daniken
Herman Hess
Ivan Illich
Jean Starobinski
Jorge Dias
Jorge Oshawa
Karl Marx
Lobsang Rampa
Michio Kushi
Nietzsche
Wilhelm Reich
ESTA ALEGRIA DE ESTAR CHATIADO!
A 19 de Fevereiro do calendário cristão, iniciou-se em 1977, o Ano Tibetano ou Losar, celebrado pelo Mestre, Venerável Lama Kunzang Dorje, no Mosteiro de Nyima Dzong.
Sei agora, pela data, - que não é acaso nem coincidência «porque o acaso não existe», sei-o agora também - porque me deram os deuses à luz nesse dia, nesta reincarnação onde, há 44 anos exactos, deambulo à procura não sei de quê, expiando não sei que piratarias de outras reincarnações talvez por África, Ásia, Brasil, dado o meu confirmado complexo pelo Terceiro Mundo e, também, pelo Quarto do lumpen-proletariat mundial.
Penso que essa procura tem sido uma insofrida necessidade de ajustar o meu bioritmo ao ciclo tibetano a que pertenço.
Durante 44 anos andei portanto desajustado um mês e dezanove dias, fugindo constantemente ao comprimento de onda exacto. Nessa margem de desfasamento meto a minha pouca simpatia pelos badalos cristãos, a minha imberbe busca do címbalo e da concha tibetana. Meto a sinusite e os desencontros com a sorte, a fortuna, a sociedade, a família, o amor, a saúde, a morte. As desafinações e as fífias no belo e sumptuoso concerto sinfónico que vejo tantos tocarem à minha volta.
DESCULPEM-ME OS CRISTÃOS
Desculpem-me os cristãos mas os astros fizeram-me nascer com o Losar e eu constato agora, em Nyima Dzong, que andei quarenta e quatro anos atrasado de mim próprio. Em Nyima-Dzong, apertando com força as minhas mãos frias nas mãos do Mestre, constato que andei a correr, esfalfado, atrás de um comboio errado. A colite, a sinusite, e, entre as demais maleitas do repertório, esta parvoíce tão minha, esta crónica chatice de tudo por tudo, este andar cá por ver andar quem anda, talvez seja tudo por causa dos calendários: o tibetano onde nasci e o cristão onde quarenta e quatro anos morri de aborrecimento.
Julgando curar-me dessa erisipela, fundei com o António Carvalho e alguns outros, o Movimento Ecológico Português. Credo, abrenúncio, foi pior a emenda que o soneto, pior a mezinha que a maleita. Pior que lepra no Nariz de Portugal Continental, ex-garanhão procriador de colónias a cada nova fornicação ultramarina, o Movimento Ecológico Português, no entanto, reflecte talvez mais e melhor a lepra do País do que a meu eczema biomental. Não quis - garanto - fazer dele o espelho mágico da Rainha Magalona
Soube em Nyima Dzong que irei curar-me, em breve, do Movimento Ecológico, das dívidas, das dúvidas, da conjuntura circundante.
Quarenta e quatro anos depois (re) nasci no dia exacto em que nasci. E já não era sem tempo, oh! camaradas militantes da Terra!
É esta posição na Terra de Ninguém que me autoriza a proferir algumas asneiras e barbaridades nestes ensaios de reportagem e antecipação científica sobre o yoga tibetano na Europa.
Tateio no quarto escuro de Kali Yuga,
Bato com as meninges na parede espessa do conhecimento exotérico, de onde só sapos, lagartos, tecnoburrocracia saem.
Sabendo que do outro lado da parede há Sol, sei que terei de me mexer, como um rato em circuito fechado, nesta caverna platónica de sonhos, enganos, ilusões, fantasmas e alucinações. De ideias. De Mitos. Teimo, no entanto, em agarrar um raio de Sol.
QUE MESTRE, ENTRE MESTRES, ESCOLHER?
Sem que isso signifique continuar patinando no doce engano, na leda ilusão, mito diáfano chamado "livre arbítrio" ou, mais populìsticamente, liberdade humana, a questão do guru ou mestre a eleger é uma questão difícil.
" Prepare-se o aluno que o mestre aparece " - eis um claro princípio do Princípio Único e uma expedida palavra de ordem que subverte toda a pseudo-educação que se ministra em escolas e países do Ocidente.
Mas que mestre entre os mestres escolher?
Através dos anos, vamos adoptando e substituindo os nossos guias espirituais. Raramente entre os professores das nossas escolas, muitas vezes entre os autores dos livros que o acaso nos põe diante. Mais ou menos vivos ou influentes, permanecem mais ou menos tempo e assim vamos elegendo os companheiros de jornada, os espíritos irmãos, os livros e autores que, no fundo, nos ajudam a preencher o deserto de solidão e desamparo que é a terra calcinada da cultura não iniciática. Procuramos refúgio e conforto nos poetas, filósofos, romancistas que lemos.
1ª questão - Este borboletear de autor para autor, de mestre para mestre, não terá um dia que se ficar no Mestre? O ecletismo não será um declive cada vez mais inclinado?
2ª questão – O mito do livre arbítrio e a ilusão da infinita procura não começará um dia a revelar-se um sofisma (escravizante) do sistema cultural e não será um dia posto em causa, pelo aprendiz, com a violência da decepção, essa apregoada relatividade do conhecimento, o agnosticismo dos sistemas que proclamaram a desistência do Absoluto? Não surgirá um dia - visto o logro e a mentira e a traição de uma cultura podre além de criminosa - a necessidade absoluta do Mestre Absoluto?
3ª questão - É ou não o Ensinamento, o ioga tibetano , a Sabedoria tântrica, o Vajrayana, o guru, o mestre, o Lama, esse absoluto porque a imagem relativa dele? Ou continuaremos na ilusão de o considerar apenas mais um mestre?
4ª questão - Dado que tudo muda e nada permanece, poderia ser – ainda que por hipótese - definitivo, absoluto, nec plus ultra, este Mestre Kunzang Dorje mais único do que os outros?
A intuição, entretanto, segreda-me que (mesmo depois de Jung e Wilhelm Reich, mesmo depois dos que, raros, podemos considerar na 7ª etapa do Discernimento como Oshawa e Michio Kushi), o impulso que (me) empurra para a Tradição Universal Viva, para a Linhagem Nying-ma pa, para o esoterismo tibetano, para o Tantra, para o Vajrayana, para a Sabedoria Diamantina que corta a ignorância, é uma etapa e um salto em tudo qualitativamente diferente de saltos, mestres, influências, etapas, mortes e renascimentos anteriores.
Será o tempo chegado?
Será a pele da Serpente que muda pela última vez?
Será o último nascimento antes da próxima morte?
Ou será apenas o cansaço de 44 anos procurando sem encontrar?
Será?
AOS PÉS DO LAMA: "TO BE OR NOT TO BE"
" A confusão nasce do egocentrismo do homem "
JORGE OHSAWA
Não fora o reiterado uso, às refeições, de alga wakame e hiziki;
não fora o uso possível de raízes da família do rábano-rabanete; não fora a bioalquimia possibilitada pela dieta cerealífera (seca, integral, não tóxica nem dissolvente e dissoluta);
não fora o que dos ensinamentos de Jorge Ohsawa e o que os seminários de Michio Kushi, em Lisboa, nos trouxeram de autocrítica aos desvios alimentares cometidos com base na fase pioneira da Macrobiótica no Ocidente;
não fora uma série de circunstâncias que tenho a arrogância de considerar neutralizantes da Arrogância e favoráveis, portanto, à intuição, à limpidez possível do Discernimento e a uma diminuição na arrogância egolátrica - este querido e maldito ego sobre o qual fundámos o centro ou umbigo do Mundo, porque o Mundo nos fazia Medo! ;
não fora um certo tirocínio em jejum terapêutico de arroz, palavras, ideias, manias, projectos, preconceitos, afectos e desejos;
não fora uma limpeza periódica dos canais que conduzem a energia;
não fora, ao fim e ao cabo, depois de um desprezo quase suicida pelo ego, esta fase dialecticamente complementar dos cuidados com ele, a saúde, o equilíbrio, a higiene alimentar, etc.
e talvez, ainda hoje, em 1977, aos 44 anos, o intelectual que julguei ser estivesse ainda convencido de que o era, numa das mais belas e cruéis ilusões em que labutam, pantanosamente, centenas de outros intelectuais convencidos de o ser, e cada vez mais quanto mais livros escrevem, editam, reeditam, e quanto maior assento têm na Academia ou na Associação Portuguesa de Escritores.
Refiro-me à ilusão chamada "originalidade criadora" ou autoria, à ilusão de que temos uma individualidade capaz não só de escrever a obra mas, quiçá, de fundar uma escola, seita ou corrente literária, estética, poética.
Ilusão ou véu de Maia que alimenta milhares de escritores, artistas, filósofos, «maitres à penser", (pres) sinto de repente que é uma ilusão e uma dúvida assoma às minha presunções de escritor, intelectual, autor, indivíduo.
Tratar-se-á de inventar e criar algo ou tudo está criado e trata-se, antes, de gradualmente, por sucessivas desintoxicações e consecutivos jejuns terapêuticos recriar, reinventar, redescobrir, revelar ou desvelar o que desde sempre e para sempre está dito, escrito, criado, o que sempre e para sempre permanece como vaga de fundo no labirinto das enganadoras aparências?
Criar é, como querem os sócios das Academias, gerar ex-nihilo o que se chama uma obra, ou é chegar às fontes e à Fonte da Criação, não quebrando mas reatando elos na ininterrupta linhagem, antes procurando a linhagem onde nenhum elo foi quebrado? Por informação histórica, observo que a linhagem ininterrupta é a linhagem Nyingma-Pa.
Observo, portanto, como a cura desse terrível «ego» é demorada e difícil, algo impossível sem algas (condição sine qua non) e sem Mestre.
Observo que traumatismos e convulsões são necessários mas não suficientes para chocalhar dentro do viciado, inveterado e doente ego o aviso de bom senso que rectifique essa hipertrofia do eu tão cara ao escritor, ao artista, ao intelectual, ao crítico, ao autor de algo que ele julga seu, propriedade particular e privada do seu talento, génio, vocação.
Ao perder o apego à autoria, autoridade ou propriedade literária privada, começa, o intelectual que julguei ser, a viagem de regresso à Origem (à Originalidade), à Fonte, à Criação, à Linhagem.
Não matei o ego do intelectual assanhado e do crítico pretensioso que fui (tantas vezes apenas pela vil necessidade de ganhar o pão), nem matei o lamentoso lírico que tantos anos andou a escalar o absoluto escrevendo milhares de versos para a gaveta (no meio de um jardim zoológico já todo ele célebre e monopolizando portanto todo o espaço editorial disponível).
Mas sei e sinto hoje (com o distanciamento e a perspectiva que dá uma mastigação cada vez mais lenta e uma ensalivação cada vez mais intensa) como essa ambição de escrever obra original, com selo individual, marca da casa, estilo, nome próprio, inconfundível, é uma das mais agridoces ilusões que podem embalar um intelectual e afastá-lo do Todo-de-Si.
Onde se põe apego, é o risco egocêntrico e egolátrico que espreita.
Semanas antes da peregrinação a Nyima Dzong, mandaria a boa regra ascética evitar abusos alimentares, preparar o corpo, o espírito e a palavra, tirocinar o máximo de pureza para (me) apresentar, escorreito, cadáver ambulante mas com a barba feita, aos pés do Mestre, do Venerável Lama Kunzang Dor, o Buda vivo que transmite o Ensinamento, o primeiro Lama nascido na Europa para aqui reatar o Fio da Tradição Universal Viva, a linha eterna da Única Linhagem.
Três ou quatro semanas antes, porém, uma atracção satânica por todos os disparates alimentares, uma deliberada e sistemática violação das leis do Principio Único, uma quase debochada destruição do equilíbrio yin-yang, foram factos que se sobrepuseram, com força demoníaca, à piedosa intenção de chegar puro e em beleza macrobiótica Zen a Nyima Dzong, aos pés do Mestre.
Julguei perceber, nesta inversão de propósitos, neste conflito entre Factos e Intenção, uma inevitável dialéctica de contrários. Mas também uma "prova" iniciática, um teste: o irrisório do aluno aplicado, fazendo a sua cópia muito bem feitinha para passar o exame - e o Exame, aqui, em Nyima Dzong, a 900 metros de altitude, é a prova suprema para qualquer aprendiz de Feiticeiro ! - eis o que a força e a claridade material dos acontecimentos logo evidenciou face à opacidade idealista das intenções. Os acontecimentos puderam agir em sentido contrário à vontade (Sic) individual. Os acontecimentos puderam sobrepor-se a mais uma armadilha do ego, quando este porventura julgou chegada a hora de escrever a obra-prima e a reportagem seller do ano!
Ao meio dia e quinze minutos (hora solar) do dia 22 de Fevereiro, quando o Lama, após a nossa semana inteira de espera, finalmente nos pôde receber para uma hora de conversa gravada em fita magnética, o imponente jornalista, com fumos de escritor e sarampos de poeta lírico, estava totalmente vazio de perguntas, de questões, de arrogância, de impertinência para pôr ao primeiro Lama nascido na Europa, ao Mestre Venerável, quem
sabe se a deus vivo sobre a Terra...
Enrolado na sua frente, na precária posição do lótus de que nunca aprendi a técnica, com o Chico ao (meu) lado esquerdo e o José Carlos, de câmara em punho, ao lado direito, eis prosternado e em silêncio, deixando-me atravessar pelos raios quentes do sol e pelo olhar penetrante do Lama - mais penetrante, quente e doce do que o Sol - , os últimos farrapos de alguém que, na vida civil, na vida urbana, no terror quotidiano, no labirinto da indecisão e das angústias, da cólera e da revolta, do aborrecimento e da melancolia, se chamara Afonso Cautela (creio), sócio nº 430 do Sindicato dos Jornalistas, com onze mil escudos de salário mensal e, por tal, obrigado a prostituir-se até á Eternidade seis horas de trabalho por dia.
Se esta prédestruição da soberba insignificância do (nosso) querido ego, obedece a frio e calculado programa por parte da disciplina hierárquica que reina na linhagem Nyngma Pa, eis a questão que ao ego (ainda) remanescente, ferido na sua arrogância, talvez interesse formular em termos de fúria crítica, de revolta e contestação, de orgulho e vingança.
Eis a questão que definitivamente deixa de (me) interessar ou irritar. Meti o «eu» e o «meu» entre parêntesis. Somos (sou) apenas jogo nas mãos do jogo universal. Vivo um sonho colectivo e sei que o vivo. Participo numa cerimónia alucinatória e sei que participo.
Eis o que da "humilhante" sensação de vazio perante o Lama e a sua irradiante força magnética, posso ainda extrair e ir a tempo de concluir. E de escrever, sem nada ter escondido na manga da camisola vermelha com rendas da tradição marítima portuguesa.
INFINITO ESPLENDOR, MEDO INFINITO DO INFINITO
Na terra de Ninguém e desafinando nos hábitos de andar com a cabeça descoberta, autorizei-me a enfiar um peludo barrete castanho moscovita, que me protegia do vento everéstico mas que me tapava, também, muito da energia que circularia se o barrete a não impedisse de circular.
Também sei como as botas de borracha, a pretexto da lama, barravam essa corrente vibratória tão intensa e bela nos domínios livres de Nyima Dzong .
Propositadamente barrei o esplendor do Infinito, porque não sei ainda se poderia tolerar o termo dialéctico contrário desse Esplendor. Esse o medo de qualquer aprendiz na Via Tântrica do Infinito. Em que mundo ou galáxia ou estrela ou astro irá acordar?
Esse o medo. Esse o fascínio.
OBRIGADO À TERESA, QUE ME ENSINOU A NÃO DIZER OBRIGADO
Talvez agora, a posteriori, possa compreender melhor a advertência da Teresa, quando à minha impaciência, à minha incapacidade de esperar sem desesperar (a hora de ser recebido pelo Mestre) ousou desafiar a cólera do (meu) ego dizendo-(me):
- "Mas tu não é mais importante do que a Comunidade, Afonso...!»
Verdade que eu não me consideraria mais importante do que a Comunidade, mesmo ao nível do discernimento mais mecânico. Se estava ali ao serviço da Comunidade, isso o provava suficientemente. Não era isso, Teresa, o que estava em questão: mas saber esperar sem desesperar, para lá dos limites que o (nosso) ego suporta, o facto, a hora, o acontecimento.
De nada serve andar com o relógio individual adiantado em relação ao relógio cósmico dos acontecimentos. Algo nos fará ver, de repente, o ridículo e o irrisório da nossa pressa, da nossa impaciência, do nosso desespero. Da nossa, da minha preocupação em ter um trabalho (entrevista) a realizar e querer realizá-lo na perfeição, sobre rodas.
A Teresa foi o porta-voz dessa Voz: mas também ela me ensinara, dias antes, que não se diz obrigado em tibetano. Também ela , numa carta que era um carinhoso tecido de malha viva, nos ensinara até ao pormenor como chegar a Nyima Dzong, Por isso eu (não) lhe digo "obrigado».
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NUM TEMPO DE TREVAS A FORÇA DA LUZ PRIMORDIAL
Os jovens hoje, em 1977, nascem velhos. E cada vez mais velhos, à medida que os anos nos fazem avançar nas trevas de Kali Yuga, à medida que a história se adensa no fogo, no ferro, no ouro e no urânio da grande mudança, da grande fronteira entre o Fim e o Princípio.
O tempo é chegado e os jovens sobem à Comunidade de Nyima Dzong, a novecentos metros de altitude, pertíssimo das gargantas do Rio Verdon, em plenos Alpes Meridionais, num ponto relativamente perdido do mapa turístico francês, ao mesmo tempo perto e longe dos centros cosmopolitas (Nice, Cannes, Montecarlo e tutti quanti Cote d'Azur onde já nem o Carnaval esperneia, onde apenas de sólido só a batota progride, ou a indústria dos perfumes caros na cidade de Grasse) um ponto apenas atravessado, lá no alto, por cabos eléctricos de alta tensão.
Desiludidas e cansadas, essas jovens energias deixaram a sociedade dos perfumes, da batota, do turismo, do ski, das autoestradas, - essas serpentes de betão tentando concorrer com a Serpente de Fogo!... - , da lepra consumista; deixaram os papás que tudo isso construíram para bem do progresso e malestar dos homens, para salvação do Diabo e perdição das almas climatizadas na morna alienação pequeno-burguesa.
Quando chegam a Nyima Dzong, talvez sem saber que estão cumprindo um plano predeterminado, esses jovens que vomitaram a sociedade, levam 20 gerações vividas em 20 anos.
Por isso não vale a pena contar-lhes mais histórias pueris, destas que se contam cá em baixo, neste vale de lágrimas da sociedade industrial e tecnoburocrática. Histórias sobre o budismo e (sic) a "inadaptação ocidental a outras regras de vida". Não vale a pena tentar ludibriá-los com os argumentos clássicos neste Ocidente contra o "não-agir dos orientais".
Não resultam mais os chavões com que, na Europa, se tem procurado menosprezar e adiar a "invasão tibetana», força que neutralizará todos os Poderes. E o tempo é chegado, a predestinação cumpre-se e a torrente engrossa levando à sua frente todos os sofismas, mitos, argumentos com que filósofos, autores, repórteres do exotismo extremo-oriental têm tentado adiar o advento da Tradição, do mais poderoso veículo iniciático, da energia mais forte que já houve, há ou haverá sobre a Terra.
Esta é a «questão política» do budismo tântrico.
Trata-se, hoje, de saber com quem fazer alianças.
Depois de uma semana em Nyima Dzong, à luz de velas quando anoitece, pisando a lama do Domínio, já noite, com a ajuda de uma lanterna, mastigando 100 vezes a colher de arroz com yang sarraceno, tentando acompanhar as consecutivas mudanças do leque meteorológico - ora sol, ora chuva, ora neve, ora gelo, ora vento, ora sol - repondo os bioritmos de acordo com os ritmos telúricos (acorda-se às 4.30 da manhã em Nyima Dzong), eis que, depois desta breve experiência na fronteira entre o Inferno e o Paraíso, entre a Terra e o Céu, entre Homem e Deus, entre a Morte que se vive e a Vida que diariamente se morre, entre o Apocalipse e o Renascimento, eis que não me restam dúvidas sobre a sagrada aliança a fazer.
É a fraqueza e o medo que empurra todos os que escalam o Poder. A verdadeira força, com efeito, não procura o Poder, vive-o. Só os fracos, medrosos, covardes são violentos e só os violentos procuram o poder fortuito e efémero da política, do dinheiro, do automóvel, da posição, etc.
Os fortes, - os que têm por si a Natureza, a força da Natureza, a ordem da Natureza - não são violentos nem procuram o poder por meios violentos.
As energias que, no templo de Nyima Dzong, praticam azanas e prosternações, entoam mantras, abrem clareiras de silêncio em que o universo comparece (como de repente o sol num dia escuro de breu), fizeram a sua aliança e não mais admitirão argumentos ingénuos, hábeis alibis, famosas ou famigeradas demonstrações sobre a inviabilidade da vivência búdica, da via tântrica, da Libertação.
O salto qualitativo e o recuo necessário para perceber a burla ocidental - Progresso, Sentido prático, acção activa, intervenção constante, violência e violentação sistemática da ordem natural, etc. - esses jovens o deram numa única cambalhota que podia ser mas não foi mortal.
Alguns, momentaneamente, passaram pelos fumos ou pelos ácidos. Instantaneamente, também, aperceberam-se da burla que mais essa armadilha (derradeira armadilha?) da Corrupção lhes punha.
E saltaram o arame farpado. Enxugaram as lágrimas. Atiram para o saco da Mafia os pózinhos de perlimpimpim com que o traficante compra almas e Energias a troco de dólares.
Borrifaram-se nos paraísos artificiais, uma vez conhecido o natural. Mas saltaram sobre o abismo, hiante como as gargantas de Verdon na passagem entre Soleils e Castellane.
De uma assentada, enquanto o diabo esfrega um olho, estes jovens são hoje no Mundo mais velhos e sábios que os sábios e velhos.
SE OUTROS MOTIVOS NÃO HOUVESSE
Se outros motivos não houvesse - a liturgia da cor, do som, do cheiro e da luz, a beleza exaltante das mandalas e tankas, o discurso cartesiano-platónico do Mestre e seus ensinamentos, as quatro montanhas sagradas que rodeiam o Chateau, o arroz, o «épautre» (essa poligonácea desconhecida dos animais da planície...) , o «sarracin», o ar fino e as vibrações que emanam desta terra pura, desta terra santa, desta terra sagrada, bastavam para nos avisar de onde e para onde os ventos históricos vão soprar.
Se outras razões e forças não houvesse, anunciando aqui a madrugada do Novo Mundo que nasce, bastava-me saber que aqui se está gerando, como esse bebé de seis meses, o primeira nascido em Nyima Dzong, a maior força do Mundo Actual para saber com quem realizar o definitivo pacto de Aliança.
MAS QUE ENTENDO POR FORÇA E PODER?
Mas que entendo por força e poder?
Durante uma semana observei o não-agir destas energias; os 18 que habitualmente trabalham e vivem em Nyima Zong, mas também a outra meia centena que veio de Atenas, Bruxelas, Paris, Lisboa.
Durante uma semana e à luz das (minhas) inaptidões, do meu medo ao frio e à lama, da minha falta de técnica na posição Lótus, do meu horror ao sal, da minha pavorosa ânsia pequeno-burguesa de conforto e climatização artificial, à luz da minha tentação pelo açúcar e do meu voraz apetite por aquele pão ázimo que o Rui maravilhosamente amassa, leveda, tende e coze (melhor do que Cristo o faria ), todas as semanas, para alimento da família, durante uma semana fui repórter de acontecimentos. Logo, esvaziei-me, o melhor possível, de ideias e (pre)conceitos.
De juízos e prejuízos. De leituras. De palavras. Aprendi que havia um Jejum de palavras tão importante como o de pão. Um jejum de ideias mais importante que o jejum de palavras. Um jejum de ambições e desejos mais importante que o jejum de ideias.
Limpei os óculos de ideologias e sistemas, desembaciei o aparelho perceptivo, tentei deixar no vale do Verdon metade da arrogância que transportamos sempre connosco como defesa e anti-corpo das violências ambientais.
Tentei sintonizar assim, um pouco melhor, com os acontecimentos para melhor os compreender.
Que força, então, que poder julguei perceber através da minha névoa mental, da minha ideologia deformante, do meu materialismo dialéctico, do meu ateísmo, do meu racionalismo sergiano, do meu surrealismo e do meu niilismo, dos meus preconceitos duros como calhaus - de intelectual, ex-crítico de cinema e poeta lírico automaticamente expulso das agremiações de classe?
Hoje posso agradecer aos que, por pedradas, caneladas e nódoas negras, me empurraram até Nyima Dzong. Sem eles, nunca teria pisado a terra pura de Nyima Dzong, ouvido claramente de onde sopra o vento, sabido onde está a força de todas as forças.
A destruição do ego seria, em palavras aproximadas e naturalmente paradoxais, o que traduz essa força.
Posso entender a outra luz uma quase esquecida frase de uma qualquer má tradução da bíblia cristã: "aquele que quer salvar-se, perder-se-á; aquele que se perder, salvar-se-á.»
Claro: se ardentemente desejamos uma coisa e nela investimos, nela jogamos, é óbvio que obteremos o seu contrário.
Se disciplinadamente, paulatinamente, diariamente, destruirmos um ego quase solidificado de tão forte e poderoso, eis que a dialéctica dos contrários nos avisa: é possível avançar então e talvez para um estado em que, libertos do ego e suas forças negativas, há-de nascer em nós, Comunidade de energias já não individuais nem livres, há-de nascer, há-de crescer em nós e na Comunidade a Força de uma Energia Una.
Eis algumas palavras toscas com que procuro dizer o indizível.
Aponto uma (hipó) tese a partir do que observo: não é por desmazelo ou desleixo que na comunidade se reduz o conforto, o tempo gasto com a toilette pessoal, os cuidados com a saúde, os preparos culinários e, até, a correcção das asanas.
Penso que todo esse relativo - mas não ostensivo - desprezo ou menosprezo pelo que resta de um ego terrivelmente egoísta, penso que esse "détachement", essa nenhuma procura de nenhum alvo, nenhuma perfeição, nenhuma meta, nenhum ideal, nenhum poder, é o Caminho da Clara Luz Primordial, o Ensino, o Vajrayana, o Dharma, a Disciplina, o Tantra, o Yoga.
A nudez ou jejum de poderes é, em última instância, o Poder, cujas metáforas mais próximas (o Sol, o Diamante, a Luz) não me deixam hoje qualquer dúvida.
DA FAMÍLIA BURGUESA AO COMUNISMO ORIGINAL
Pensadores de todos os quadrantes ideológicos , quando ouvem falar em "dissolver a família" quedam-se apopléticos, como se a família não estivesse há muito dissolvida e dissoluta, como se efectivamente tivesse sido, alguma vez, como eles gostam de apregoar, a célula-mãe da sociedade. Da sociedade burguesa talvez.
Quando David Cooper, no meio de uma linguagem tão cerrada como a sua cerrada barba, desafia com certa raiva a estabilidade da família burguesa, ninho de neuroses, eis que raios e coriscos o fulminam, à sua anti-psiquiatria (ainda) de salão e à sua ousadia ou heresia de ter ido procurar a família e a verdade no Tibete dos lamas,
Quando Engels historia, à sua maneira, as origens da Família e da Propriedade privada, confundindo providencialmente os narizes, logo engelianos furiosos entronizam o que supõem ser um conceito "revolucionário" contra a família.
No entanto e nos países mais socialistas a caminho do comunismo, restos da sagrada família em tripé - pai, mãe, filhos - atestam que não é assim tão fácil desintegrar uma instituição que séculos de superstição, juntamente com necessidades (até) biológicas e económicas, cimentaram e consolidaram em termos difíceis de subverter. E muito menos fácil ainda, se para a família burguesa se não apresenta uma verdadeira alternativa .
Não vou alongar considerandos sobre a família, até porque não me parece honesto bater no céguinho quando todos batem, nem explorar os sentimentos altamente familiófobos que facilmente se aninham entre os que têm desse pequeno e terno inferno a domicílio a experiência de três assoalhadas ou, mesmo, a de uma barraca não assoalhada no Bairro da Alegria.
É fácil maldizer a família, quando a razão de maldizer é, antes da família, a não habitação, a habitação degradada, a habitação insalubre , exígua, inabitável.
Pela parte que me toca tive uma família regular. Por isso sou regular. Levei porrada em menino, pois claro, não me faltou aquele indispensável chá tão bom para as casmurrices da puerícia, aquela dose homeopática que nos torna menos mimados e, desde logo, mais imunes às caneladas do mundo externo que esse, sim, morde que nem cão desaçaimado.
Tenho boas e más recordações de infância e não iria, com base nelas, construir nenhuma teoria destrutiva da família. Nem mãe possessiva, nem pai tirano, foi-me dada em sorte aquela mediania que afinal me define, mediano, carácter, ambição e presunções
Até sou, verdade se diga, um gajo modesto, e à família modesta o devo.
Sem história (chorada em berço de enxerga ou cantada em berço de ouro), portanto, que valha a pena contar ao psiquiatra ladino, um facto no entanto me obcecou até há pouco tempo: quem teria tido a triste ideia de me por neste Mundo e porque foram os meus pais os veículos dessa tristeza que hoje se chama Afonso Cautela.
Inconformado com mais esta reincarnação, iludido ainda sobre um livre arbítrio em que acreditei, julguei poder atirar culpas à paternidade (ao pater família), satisfeito por encontrar bode expiatório à angústia incurável de existir. Sei hoje que é injusto inventar bodes expiatórios, sei hoje que vim a este vale de lágrimas mais esta vez por minha exclusiva culpa, porque me comportei, certamente, de maneira pouco airosa e quem sabe se pecaminosa nos vales de lágrimas antecedentes. Os pais que me perdoem tê-los culpado, não têm culpa nenhuma das minhas culpas.
Subverter a família como célula burguesa é, portanto, um projecto político, logo demasiado fácil e superficial para ir ao fundo da profunda questão que é saber-se a família o lugar humano onde na Terra reentramos de novo no ciclo cármico da (nossa) expiação.
Doce ilusão é reduzir este núcleo de espanto onde mergulha a nossa raiz eterna a uma estrutura social ou mesmo antroposocial. Doce ilusão das muitas em que um positivismo cor-de-rosa, suposto realista, experimental, científico e etc. repousa. Mito entre tantos mitos. Fantasma entre tantos fantasmas.
No yoga tântrico, porém, trata-se de por todos os fantasmas em debandada. Realismo, se o há, é por aqui. E materialismo histórico é aquilo a que têm chamado misticismo, metafísica.
Como se vê em Nyima Dzong, a Grande Família Humana floresce: 18 irmãos aí vivem, muitas vezes dezoito poderão vir a viver.
De ano a ano, de Losar a Losar, a família converge ao Lar. São irmãos. Uma pedra é ou foi posta no passado familiar de muitos. Uma borracha invisível apagou o itinerário familiar de outros.
Chico, Rui, Fernando, Zé, Teresa, Maria, José, Luís, eles são na irmandade estes primeiros nomes.
Alguns me advertiram de que não acrescentasse nunca, ao nome da Irmandade, os nomes de família. Alguns, de famílias conhecidas (ditas boas famílias) portuguesas,
Sem enfáticos discursos sobre a subversão da família, eis a Comunidade como Família do Futuro que em Nyima Dzong começa.
Se tiverem outra anarcosolução alternativa desta para uma prática efectivamente subversiva da estrutura familiar burguesa, digam-me por telex: terei muito empenho em emendar a mão.
Neste momento e a nível do mais forte pilar que sustenta a ideologia burguesa , mesmo (e principalmente) remanescente nas sociedades socialistas ou a caminho, não conheço, outra alternativa, outra solução mais pacificamente revolucionária.
Ainda não tem um ano o filho do Rui, alicerce da idade de duro que aqui nasce em Nyima Dzong.
UM PEQUENO EXEMPLO ILUSTRATIVO
Um pequeno exemplo ilustrativo de como a Comunidade é uma alquimia silenciosa transpondo a sociedade podre e velha através do mais recôndito coração dos homens, na sociedade aberta, fraterna e feliz da próxima idade do Aquário.
Se eu tento, com a clássica inaptidão própria do sexo masculino para as lides da casa, (os hábitos culturais impingem à mulher esse trabalho que se torna então tabu para o homem) cozinhar os flocos para a A.C., é fatal e sabido que, ao mínimo deslize, a esposa me dará a entender quão desastroso foi ter esturrado a papa ou não por a pitada certa de sal.
Enfim, defeitos do esposo na manipulação doméstica, - a escolha de um móvel, o mais insignificante pormenor do xadrez caseiro - eis que a esposa lhe não perdoa a inabilidade, o erro, o defeito.
Ampliado ao nível da sociedade em geral, este pormenor transforma-se no terrorismo quotidiano do bem e do mal que todos conhecemos.
Entendo que a revolução se opera quando, na outra família de Nyima Dzong, um princípio reina aí sobre as relações entre as energias: defeitos, erros, inabilidades, hábitos, vícios, fraquezas, (sal a mais, sopa com bispo, etc.) em vez de uma (carinhosa embora) recriminação da esposa, transmutam-se no dinamismo positivo que serve a comunidade familiar.
Considero revolucionário este princípio: as energias que são as pessoas deixam de estar hierarquicamente interdispostas numa jerarquia de competências técnicas para porem toda a energia (mesmo negativa) ao serviço do colectivo, no cadinho mágico ou alquímico do trabalho colectivo.
Quer vocês , meus senhores, riam quer trocem, quer franzam ou não a venta, passa por aqui o comunismo de Rio de Onor.
Para a aldeia futura de Nyima Dzong é urgente estudar os Rios de Onor que alguns Jorge Dias salvaram da extinção absoluta.
É urgente que a comadre Fundação Gulbenkian reedite as obras monumentais que no futuro serão bíblia e manual para os tempos difíceis de reconstrução mundial.
É urgente, nos tempos difíceis de Kali Yuga, reeditar em pleno toda a informação possível sobre a riqueza ancestral de tecnologias, indústrias e artes populares.
Ofereço-me para carpinteiro da aldeia comunitária de Nyima Dzong.
FAMÍLIA, TORTURA A DOMICÍLIO!
Paradoxalmente são os miniabsurdos (dos) eventos quotidianos que (nos) levam à consciência de uma Macrológica ou Macrodimensão.
O Logos Universal acaba por se nos impor à custa de pequenos, avulsos, continuados e reiterantes absurdos vividos ou sofridos no mesocosmos quotidiano.
Começamos a perceber-nos como um ser cósmico depois de muito entalados e baralhados num labirinto onde as contradições se chocam num fragor infernal, onde tudo - e principalmente o que julgamos ser mais digno de ser estimado e amado - nos desilude com a opaca brutalidade do irremediável.
Se a destruição do ego compreende várias etapas no desprendimento dos nossos bens, desejos e afectos, não custa perceber de que maneira o Logos Universal ou Mecanismo Universal da Predestinação age em nós para nos "ajudar" a quebrar laços e raízes que, no fundo da nossa (in)curável egosentimentalidade, serão sempre os laços mais difíceis de quebrar: os do coração.
Houve quem dissesse - honestidade ou cinismo? - que o amor é um hábito. Toda a minha bioestrutura se revolta, porém, à ideia de que o meu amor pela A.C., de 5 anos, é apenas um hábito, é apenas a deformação do (meu) ego, é apenas uma tentação e uma armadilha mais para (me) prender ao mundo inferno das aparências, é apenas um travão que me impede de subir dos mundos infernos aos supernos.
Chamo a isto - a estes «affaires» do coração - os pequenos absurdos que fazem compreender a maravilhosa lógica do Todo.
Se tudo se passasse perfeito com a A.C., se ela não fosse (um pouco) teimosa e não criasse, com essa teimosia, situações que vão contra si própria, se eu não tivesse que me "zangar" com ela para ela não fazer coisas que lhe fazem mal, se nenhum facto (dito) negativo viesse ensombrar a suprema maravilha do mundo que é uma Criança crescendo, o amor por ela (e o tamanho deste ego egoísta...) acabaria por assumir proporções de doentia obsessão.
Ela defende-se desta invasão de amor e defende-me do ego. Tem suas teimosias. Suas birras. Suas más criações. Seus comportamentos miniabsurdos à luz mediana do mesocosmos. Seus caprichos , veleidades, amuos.
Com estes exercícios do já seu próprio ego, ela defende-se do terrível ego meu que, de outro modo, sem os obstáculos, criaria raízes (e o amor é a raiz maior) até ao centro da Terra.
Compreendo então outros miniabsurdos que sucedem no antro familiar – aí precisamente onde o ego corre os riscos maiores, ai onde os vínculos seriam, em principio, mais fortes, mais sólidos.
E a família (não) será, paradoxalmente e, logicamente, essa doce, terna tortura a domicílio, que me (não) empurra para Nyima Dzong
DAR LUZ COMO O FOGO, MUDAR DE PELE COMO A SERPENTE
(In «A Capital», 17-10-1979)
Decifrar símbolos é uma fase adiantada da aprendizagem iniciática.
Poucos sabem decifrar símbolos, que são, por seu turno, um recurso de linguagem profana posto em acção quando - para dizer o indizível - o espírito humano da lógica formal se vê em apuros.
O símbolo não surge, portanto, na Tradição Primordial Viva, com a intenção de ocultar ou tapar algo de claro mas obedecendo à necessidade humana de clarificar em termos humanos a palavra (ainda) humana que, pela profundidade, complexidade ou simultaneidade dialéctica de significações, começa a ser inexprimível pelo discurso directo, unilinear, não-simbólico.
Símbolos como a mandala expressam, acima de tudo, a multiplicidade na unidade, a multiplicidade e por vezes a contraditoriedade de significações do conhecimento quando atinge níveis (já) iniciáticos.
O símbolo revela então bem e mal, ao mesmo tempo, frio e quente, céu e terra, inferno e paraíso, o desespero que há na esperança, a maldade que há na bondade, a tristeza que há em toda a alegria, o positivo que há em todo o negativo.
Como dizer, ao mesmo tempo, com a lógica formal, que estou alegre e triste?
Só pela símbolo o poderei dizer.
A específica linguagem do Principio Único aparece-nos poética porque é a linguagem do símbolo.
Decifrar o símbolo implica certo treino na arte de aplicar o Principio Único às diversas circunstâncias do Mundo.
O Novo Losar ou Ano Tibetano, a cujas cerimónias pude assistir em Nyima Dzong, é o Ano da Serpente de Fogo.
Como todos os signos do Zodíaco tibetano, a Serpente de fogo é o signo polivalente de significações a interpretar com toda a arte e intuição de que formos capazes. Neste trabalho, o Mestre deu-nos o fio da meada: Pegando nesta ponta do fio, tentemos nós, sem incorrer no pecado de indisciplina intelectual, prosseguir a interpretação do símbolo.
Vou, para isso, apenas sublinhar alguns dados que cada um interpretará depois de acordo com a sua imaginação e a sua arte ou técnica de decifrar símbolos.
Arte ou técnica tão frequente no Mundo iniciático como a alfabetização escolar no mundo profano. É mais triste, porém, ser analfabeto dos símbolos do que analfabeto de letras.
Serpente de Fogo, ano decisivo para a irradiação do yoga tântrico na Europa, da Sabedoria alquímica que transmuta a Dor em Felicidade, o Sofrimento em Conhecimento, a Morte em ressurreição, a Doença em Reconhecimento.
Serpente de Fogo, ainda enroscada na sua matéria imponderável mas incandescente, serpente que em silêncio desenrola o seu poder, serpente que acorda o Mundo da letargia tóxica de mil venenos, serpente que coleia, subverte o mal, dá poder e força às forças positivas do bem e da vida.
Serpente de fogo que ateia os corações não para os queimar mas para os transmutar, fogo que velozmente se propaga , ilumina, que controlado, disciplinado, "domesticado" - é motor, energia, força propulsora, dinamismo imponderável, quente vibração, ternura, alegria.
A VIA MÂNTRICA DO SOM,OU A ETERNIDADE DO INSTANTE
(In «A Capital», 17-10-1979)
Talvez permaneça enigmático até ao Principio dos Tempos um facto na aparência banal que especifica, com alguns outros, o veiculo tântrico de Iniciação.
Refiro-me ao papel dos sons na Caminhada para a Luz, para o Sol, para a Verdade.
Sendo o Som, como afirma David Lowenthal, a forma de energia mais rapidamente degradável e, entre as formas de energia, aquela que não só mais evidencia a efemeridade humana como a rápida mutabilidade de quanto existe, - porque seria precisamente ao Som, à tradição oral, a mensagem dita e transmitida de boca a orelha, de geração em geração, de mestre a discípulo, que a tradição (esotérica) tibetana confiou os mais secretos ou óbvios ensinamentos?
Muitas explicações de primeira instância podem ser dadas, mas estou convencido de que nenhuma delas explica total e profundamente o enigma. Aproximam-nos dele.
Vejamos aquelas razões que podem confortar o nosso juízo racional, o estádio do nosso Discernimento a que Oshawa chamaria intelectual.
O som simboliza, precisamente pela sua rápida corruptibilidade, o melhor depositário do incorruptível.
O som é a forma de expressão que mais se aproxima do silêncio e a mais elástica ou maleável, a menos rígida.
O som é a linguagem "ou letra" que mais se aproxima do espírito, fugindo aos perigos e alçapões da letra. À inércia da Letra.
O som é o instante e simbolicamente a eternidade do instante, o centro da infinita mandala.
O som (re)vive com uma potência infernal à medida que o tempo sobre ele estratifica emoções. Uma canção de infância provocava crises de melancolia mortais nos soldados suíços que serviam em França nos séculos XVII e XVIII.
Num livro de Herman Hesse, O Jogo das Pérolas de Vidro, encontramos músicos itinerantes e menestreis a quem "os laços místicos com idades e culturas passadas" permitem tocar a música de épocas antigas de maneira perfeitamente autêntica ... exactamente como se todos os estilos e realizações ulteriores tivessem ficado ignorados."
A experiência comum mostra que é suficiente ouvir ou recordar apenas uma ária familiar para que voltem imediatamente ao espírito cenas esquecidas há muito, muito tempo.
A ária de uma canção - um "fragmento do passado", segundo os termos do ensaísta suíço Jean Starobinski (La Transparence et L'Obstacle) «reaviva na nossa imaginação a vida que se escoara..."
Segundo Senancour, " os lugares sublimes produzem uma impressão mais profunda e durável pelos sons que emanam do que pelo aspecto "visual” .
" Se a nossa memória funciona, todos os sons" - escreve David Lowenthal, que estamos seguindo nesta enumeração de casos » - podem evocar o passado, mas alguns parecem incarná-lo de maneira muito particular."
Faltará dizer que o som é, através dos tempos, a forma mais antiga de linguagem, e que a percussão de instrumentos foi, e ainda é, a telepatia mais naturalmente usada pelos povos sem telefonia nem telegrafia nem televisão (felizes povos...).
Se me não engano, enraíza aqui, na sua mais rigorosa significação, a frase bíblica " O Verbo é Deus", que se deveria traduzir por «O Som é Deus.»
AINDA O FUNDAMENTO TERMODINÂMICO DA MORAL - NIRVANA É O OPOSTO DIALÉCTICO DO DESESPERO (AVIADYA)
Começa a compreender-se melhor a famosa "serenidade búdica" quando se levam às últimas consequências as premissas do desespero humano.
Antes e depois do Desespero, antes e depois de Nyima Zong.
Na cultura ocidental, alguns fizeram do suicídio a meta para esse desespero e muitos, talvez todos, pensaram que o suicídio era e podia ser a "libertação de todos os males", a suprema evasão de todas as cadeias e de todo o sofrimento.
Considerando que é essa mais uma ilusão ou véu de Maya, um fantasma em que certas formas ou mitologias culturais acreditam, eis que a concepção tântrica começa o seu desespero onde o ocidental o termina.
É a partir daí que o verdadeiro desespero nasce e cresce: a partir do momento em que (verificamos) o suicídio nada resolve, só atrasa, porque a morte não existe e todos os seres estão condenados à Imortalidade.
O verdadeiro desespero - quiçá a verdadeira esperança - começa com a concepção reincarnacionista do budismo, com a Roda do Destino, com a Lei do Karma, com a Imortalidade dos Seres.
Mas - como toda a face tem um dorso e todo o verso um reverso - a esse extremo desespero corresponde a extrema serenidade do nirvana búdico, do satori.
Quando se sabe que já nada importa porque nenhum acto humano é capaz ou suficiente de mudar seja o que for da Ordem Universal (que, no entanto, é permanente mudança na sua imutabilidade) atinge-se o limite do desespero e o limite da serenidade também.
Quando se constata que toda a intervenção na malha cósmica é irrisória e só vai complicar a evolução ou ordem natural, começa a compreender-se também o abstencionismo das atitudes classificadas do exterior como escapistas ou abstencionistas.
Não se trata, porém, de abdicar da luta - nem de aniquilar a vontade e o desejo de agir ou intervir no curso dos acontecimentos, como julga fazer o suicida. Trata-se de diminuir o Sofrimento ("Diminuir aritmeticamente a Dor do Mundo" dizia Camus) diminuindo o peso da intervenção na malha cósmica.
Trata-se, em qualquer caso, de intervir mas intervir correctamente. Porque toda a intervenção fora da Lei, da Ordem cósmica, causa sofrimento, dor, sangue, lágrimas, violência.
Para saber como intervir, em que termos, em que tempo, com que força e artes, se torna indispensável a Iniciação, o Vajrayana, o Ensinamento e o Conhecimento.
Queixamo-nos, passivamente, puerilmente, da violência e da repressão política, económica, sexual, moral, cultural. Temos Marx que demonstrou cientificamente a dialéctica histórica das classes, a existência objectiva de explorados e exploradores.
Sem ignorar nem negar nada disso, porém, somos diariamente agentes de violência sobre a ordem cósmica da Natureza, sobre a Lei, sobre a Inocência da Clara Luz Primordial. No comportamento privado, familiar, agremiativo, partidário, somos agentes mais ou menos voluntários, mais ou menos inconscientes, de uma violência com efeitos acumulativos sobre o campo magnético.
Violando a Lei, o Dharma, através de pequenas ou grandes coisas e acções, descarregamos sobre o "ambiente" a força de vibrações negativas que vão agravar e nunca diminuir a violência - inegável - da repressão política, económica, sexual, moral, cultural.
Não se trata, pois, de ignorar ou negar a violência institucionalizada como facto histórico: trata-se de meter na equação, também, a violência mais subtil mas não menos real que introduzimos no ecossistema através de comportamentos que, no mínimo, denominaremos anti-ecológicos.
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CONDENADOS À IMORTALIDADE
Quando se sabe que estamos condenados à imortalidade e que só a evolução (meta)física, a conquista de estádios avançados nos libertará progressivamente do carma e do peso das sucessivas expiações;
Quando se constata que o suicídio, em vez de nos libertar da Roda e resolver os nossos problemas apenas os complica, porque os adia - obrigando-nos a voltar à Terra maior número de vezes e em condições cada vez mais trágicas, de maior dor e sofrimento;
Quando se conclui que nascimento e morte são formas ilusórias de perceber a permanência do Ser, produtos alucinatórios do nosso deficiente (intoxicado) aparelho de percepção a que chamamos "corpo";
Quando se verificam estes e outros truísmos, uma obsessão passará então a dominar quem de tal se apercebeu: ocupar todos os minutos e oportunidades, não já e não tanto a "salvar o Mundo" (o Mundo está salvo e somos sempre nós quem precisa de se salvar ), a "mudar o homem", a "reparar injustiças" mas a libertar-se da Roda cármica pela obediência cada vez mais estrita às leis físicas que regem o Todo.
Ajudando os outros a libertar-se também, pode chegar-se a fazer outro tipo de acção "política" pela arte da não violência e do não agir contra a Natureza.
É importante sublinhar que o não-agir tem, na via tântrica, o rigoroso sentido de agir na via correcta, abstendo-se de agir nas vias erradas da Ignorância, do Medo, da Cólera, da Inveja, da Suspeita, do Desejo.
Agir na via correcta do Vajrayana é agir naquilo a que chamei a macrodimensão .É portanto o não-agir na via incorrecta da mesodimensão ou Mediocridade institucionalizada.
O que outros chamam apelo ou conversão mística é , à luz do yoga tibetano, apenas esta percepção da Roda Infinita onde estamos pregados - como Cristo à Cruz... - a necessidade que de repente compreendemos haver de referir tudo ao fundamental, ao absoluto, ao que decide, desde sempre, sempre, para sempre, da (nossa) libertação.
Será egoísta ou egotista esta atitude..."mística"?
Assim a consideram os que julgam tudo pelas aparências, quer dizer, na perspectiva do Mesocosmos. Mas torna-se claro, para quem começa a viver na dimensão do Macroscosmos, que nada tem de egoísta ou egotista uma atitude que se limita a não introduzir mais violência desnecessária no Ecossistema Terra.
Ao perceber que sou imortal e que só me resta a libertação do ciclo ou cadeia ou malha, todo o meu procedimento tenderá naturalmente para o estado de Bottishava, para formas cada vez mais intensas do maior altruísmo.
Porque o altruísmo é então e só então fisicamente indesligável da minha própria salvação ou libertação (meta)física. Fazendo o mal - digamos qualquer tipo de violência - aos outros seres, sei que o estou fazendo a mim, sei que estou atrasando a minha marcha, sei que estou contribuindo - como carambola no bilhar, como laçada na minha camisola de malha ...- para o meu próprio mal. Estou rasgando o tecido da (minha) Existência.
Abstenho-me de agir em violência, abstenho-me de qualquer mal sobre os outros seres- homens, titãs, animais, espíritos, fantomas, de deuses... - não porque sou bom (há maldade no fundo de toda a bondade e bondade no fundo de toda a maldade!) , nem sequer pelos outros e por amor dos outros (há ódio no fundo de todo o amor e amor no fundo de todo o ódio!) mas por mim e por amor a mim próprio, amor este que significará, in extremis, a destruição do ego que ainda hoje me permite falar em mim, em eu, em mim próprio.
Este o fundamento da moral búdica tibetana.
Este o fundamento de uma moral possível e lógica.
A SERENIDADE DA RESIGNAÇÃO, O ESPANTO DA ETERNIDADE
O extático (estático) do lótus búdico, tantas vezes acusado de quietismo meditativo e abstencionista por uma óptica ocidental zarolha e míope, é simultaneamente o pasmo e a resignação, o espanto e a serenidade fundidos na mesma atitude.
Surpreendido pela "revelação", de repente apanhado na malha (tantra) infinita da Imortalidade, sabendo-se condenado à existência das sucessivas existências, o aprendiz ou noviço fica, ao mesmo tempo, extasiado e estático, mudo de medo e alegria, sem saber que dizer porque as palavras evaporaram-se de sentido e já nenhumas conseguem traduzir o que foi dito por um relâmpago no instante que dura um relâmpago.
(Os relâmpagos, na Terra Pura ou Terra Santa de Nyima Dzong , fazem parte da iniciação).
Nada do conhecimento fundamental pode ser transmitido, dado ou comunicado por outra via: o que vem pela cabeça, pelo livro, pelo conhecimento discursivo, pela ciência analítica, pela lógica formal não opera no iniciado a "revolução" que uma simples fracção de segundo - que um relâmpago sobre as quatro montanhas sagradas de Nyima Dzong - pode operar.
Quando se trata de perceber tudo, essa percepção não tem duração no tempo.
Vê-se também porque é que a iluminação da Via Rápida - Vajrayana - é uma conversão mais poderosa do que qualquer outra opção, política, religiosa, moral, etc De qualquer outra opção que tenha entrado pela porta intelectual do particular.
Aperceber-se subitamente da verdade obriga, de facto, a pôr tudo em nós no ritmo vibratório dessa Verdade.
Não quer isto dizer que de repente o aprendiz de iniciado se faça um poço de virtudes e o seu comportamento resplandeça já nas mil luzes de cento e oito lamparinas acesas à quinta feira, na expectação do Lama. Tudo o que o aprendiz fizer, porém, - e muito terá de pecar ainda - será de ora avante em função e em juízo do critério último (que lhe foi) dado pela revelação.
(Porque será a palavra revelação tão semelhante à palavra revolução ?)
O iluminado sabe agora que tem a Eternidade à sua frente para fazer o que quiser: não há motivo para pressas e, portanto, para impaciência ou agitação ou irrisórias velocidades supersónicas mas também não poderá parar porque há um ciclo vicioso a quebrar e a libertação a conseguir; o aprendiz sabe agora que tem todo o tempo por si mas que todos os segundos são importantes e ganham um peso que nunca para ele tinham tido; sabe que pode estar descontraído e seguro (faça o que fizer existirá sempre) mas sabe também que se nada for fazendo para escapar ao ciclo das reencarnações terá também uma eternidade de penas, lágrimas, sofrimento, doença, corpo, putrefacção, cancro, misérias terrenas, contradições, Avidyia.
Apercebendo-se ele de como é difícil fugir às tentações - de como é difícil, por exemplo, mastigar lenta e correctamente, uma das operações mais subtis e importantes do Hatha Ioga - apercebe-se ele também de que logro é ainda o Caminho para o Nirvana, para a porta da Libertação.
A serenidade búdica faz-se também desta profunda consciência da miséria em que cada ser está mergulhado e da compaixão que a (nossa) miséria nos tem de merecer.
ULTRAPASSAR AS CONTRADIÇÕES, TRANSMUTAR O SOFRIMENTO
À luz da Revelação todo o prazer é irrisório e só a dor é real.
Porque o prazer afunda-nos no retrocesso, atrasa a nossa evolução, vai implicar, pela lei do Karma, outras dores e outros sofrimentos.
A indiferença estóica perante o prazer está, também, contida na imagem paradigmática de Buda.
O sofrimento é assim estimado porque acelera a evolução e a caminho da Clara Luz Primordial (o Caminho da Libertação e do Nirvana) mas simultaneamente repudiado porque significa, ele mesmo, consciência de um longo, árduo e infinito caminho a percorrer, em não se sabe quantas reencarnações ainda.
Este sentido contraditório da existência, aliás, está sempre presente no Vajrayiana e torna-se cada vez mais perceptível à medida que o yogui, adepto, iniciado ou discípulo se compreende e lê no meio de forças universais em antagonismo perpétuo embora complementar.
Iniciar-se, procurar a via tântrica da “malha apertada", da iluminação abrupta, da consecutiva auto-ultrapassagem é procurar suportar, compreender, superar e transmudar o melhor possível (com o máximo de técnica e de "savoir faire'' essa rede de contradições que só são (entendidas como) contradições, aliás, enquanto a nossa fase de Consciência ou Discernimento as perceber como tal.
Enquanto o niilismo do pensamento ocidental leva a uma autodestruição (suicídio) ou a procedimentos antisociais e não altruístas - diz-se no Ocidente que todos os fascismos começam no niilismo - eis que a espantada resignação búdica do yogui o leva a construir (malgré lui e suas fraquezas) algo de positivo, algo de criador, algo de avançado no mistério e na espiral da evolução " para beneficio de todos os seres".
A iniciação tântrica é socialmente participativa, é altruísta , é fraternal e comunitária, não é escapismo egoísta nem jogo de cabra cega com o Destino, o Logos, o Mapa Mundi da Existência e da Ordem Universal.
CONDENADOS À ETERNIDADE,TEREMOS DE RELER À LUZ DESSE FACTO (CRUEL) O FACTO (TAMBÉM CRUEL) DA LUTA DE CLASSES
As graves e verdadeiras questões que hoje põe ao Mundo e aos homens o desafio do esoterismo tibetano não são as já gastas e clássicas objecções que ao Ocidente tem merecido esse exótico budismo lá do Extremo-Oriente.
A extroversão do ocidental contra a introversão do oriental, um dos muitos argumentos clássicos na mitologia vigente, é assunto francamente ultrapassado.
Verdadeira questão problemática - capaz de pôr knock out qualquer Clube de Roma, qualquer M.I.T., qualquer instituto de Previsionismo e Futurologia, qualquer Academia das Ciências de Moscovo, será por exemplo a que vertiginosamente nos é colocada pelo princípio (eu digo dogma) da Reencarnação.
As injustiças, as violências, as torturas e o sofrimento dos oprimidos com o respectivo carma acumulado pelos opressores, a macrodimensão que é dada aos fenómenos meramente históricos pelo dogma da Imortalidade e da Eternidade, a reviravolta operada na nossa arreigada maneira judaico-cristã de ver a expiação e a luta de classes como capítulo dessa expiação, eis com efeito as grandes questões a não escamotear só porque são melindrosas, porque são impopulares, só porque não seguem a linha de menor resistência da entropia em que esta sociedade vai embarcada, só porque ainda só minorias ou elites as formulam, só porque germinam muitos equívocos à sua volta, só porque abanam de alto a baixo o arranha-céus do nosso sistema mito-ideológico, moral, económico, cultural.
No fundo, todos no Ocidente cristão somos incuravelmente moralistas e cá andou Nietszche a dizê-lo sem que muitos que o leram o tivessem lido.
Incuravelmente convencidos de que existe o Mal em si mesmo e que o Bem é a ausência de Mal, uma meta que terá de substituir, na íntegra, aquele Mal, eis-nos no dualismo, no maniqueísmo, no moralismo, seja ele o moralista do padre e do sermão, seja ele o moralismo do partido e do ( líder) político.
Esta é, sem dúvida, uma das questões mais candentes para quem, como o jornalista, se encontra na Terra de ninguém entre o Profano e o Sagrado, o Exotérico e o Esotérico, entre o Inferno da Política (a História tal como a temos na mesodimensão) e a Política do Inferno (o Enigma da Esfinge que teimamos em decifrar).
Nesta Terra de Ninguém que foi para mim a Terra do Sol de Nyima Dzong, ter de compreender a injustiça, a tortura, os bairros da lata, o sangue, a morte, as sevícias, o horror e o terror institucionalizados, o crime nuclear e os mercadores desse crime, a destruição de recursos e o cinismo da manipulação médico-crática, ter de compreender a Abjecção, o Negativo, o Mal, a Violência, a Dor, a Morte como termos complementares e não como termos contrários, eis o que é, efectivamente, a grande chaga aberta pelo dogma da Reencarnação, um dos primeiros de que estou hoje absolutamente certo, após 44 anos ter suposto possível o suicídio.
Após 44 anos dessa ilusão cor-de-rosa, ela resta totalmente carbonizada à luz do irremediável e do inelutável facto que é a Reencarnação. Felizes dos criminosos que ainda andam convencidos de haver morte, de haver fim, de não haver culpas. Felizes dos que julgam não haver punição - inelutável - para os seus crimes.
Bem podem políticos e seus filhotes chamar-lhe superstição, mito (do Eterno Retorno...), crença, lenda, conto de fadas, dogma (que o é);
bem podem todos tentar afugentar o mais cruel facto físico-químico e a mais atroz das constatações - o Ciclo Ininterrupto da Existência e a Condenação à Eternidade ;
bem podem, com habilidades universitárias e ontológicas, com livros, poemas, hinos, sistemas e religiões, banir com doces ilusões e doces mitos a infinita Angústia de não haver morte;
bem pode toda a linhagem de autores absurdistas afirmar o Nada, proclamar que a Morte existe, logo o absurdo, logo Sísifo, logo Kierkegaard, Camus, Sartre, bem podem todos gritar, obrar, silenciar, cantar, chorar, disparar um tiro nos miolos ou redemoinhar numa dose (i)mortal de ácido lisérgico.
Resistente às intempéries, a milhões de sóis, a raças e civilizações, a micro-mutações de séculos, lá está a Esfinge que já não é enigma mas a rocha que temos de retirar do nosso humano coração apavorado.
COMPAIXÃO E PIEDADE PELOS VENCEDORES?...
(In «A Capital», 17-10-1979)
Não podemos esperar que sejam os funcionários do Absurdo a reconhecê-lo e a denunciá-lo. Não podem ser os vencedores a declarar-se vencidos.
Qualquer cérebro mediano de discernimento mecânico - médico, engenheiro, economista, técnico do Ambiente, catedrático - tomará sempre como lógico o absurdo em que mergulha e tudo fará para demonstrar que a irracionalidade do (seu) sistema é a pura e objectiva racionalidade.
O cérebro mecânico do positivista tomará a nuvem por Juno, a (sua) subjectividade atormentada pela realidade objectiva. Não se aperceberá da fantasmagoria que é o mundo construído sobre a ilusão anti-metafísica e as ilusões da ciência, da técnica, da filosofia, da política, da economia, da teoria daquela ilusão decorrentes.
Não esperemos que sejam os funcionários do sistema a criticá-lo e a desertar de quem lhes paga. Ou a fazer, mais do que reformas no Sistema, a Revolução.
Não esperemos subversão do conformismo reformista.
Alguém, no entanto, haveria de assumir a função histórica de pôr à mostra o sistema, desventrar-lhe as contradições, expor-lhe o absurdo e a irracionalidade intrínseca, demonstrar-lhe a explícita e implícita violência.
Os jovens que deram a volta ao Mundo do Absurdo em 80 dias, os que subiram ao Evereste e de lá avistaram o Fim dos Tempos, estão agora e aqui em boas condições de ver o que telescópios ou microscópios não viram, de saber o que sábios não sabem, de conhecer as técnicas que os técnicos ignoram.
Questão de montanha, altitude, horizonte.
Em Nyima Dzong, no Castelo dos Sois, a 900 metros de altitude, tenham ou não consciência disso, os irmãos desta Fraternidade solar fizeram a ultrapassagem do reformismo; viram o fundo ao Saco industriocrático; pressentiram e perceberam os alibis do sistema que (se) pretende perpetrar absurdos, crimes, vícios, contradições, dizendo que é a favor do homem; assumiram, num relâmpago, a consciência global e ecológica que outros, como eu, levaram duas décadas a (pres)sentir; automaticamente denunciam, pela sua simples existência, a Fraude e a Falência de uma Cultura que tenho gasto milhares de páginas, centenas de livros e dezenas de ensaios a analisar e a desmontar.
PELO PROFANO SE CHEGA AO SAGRADO, PELO MAL AO BEM E PELO ABSURDO À LÓGICA DO LOGOS
(In «A Capital», 17-10-1979)
O Luís chegou de Portugal há uma semana. Em auto-stop, dias seguidas sem pregar olho, comendo com os camionistas de boleia, dormindo com caixotes e mercadorias, com uma pequena mochila e as economias que entregará à Comunidade.
O Luís - não precisa de mo dizer - deu várias vezes a (re)volta ao Absurdo deste Mundo de Absurdo e nele pressinto um pouco do azedume que leveda e envenena quem anda às marradas com o Absurdo deste absurdo Mundo, destas ruas, deste País, deste continente, desta cidade, sem o aceitar, sem se lhe subornar, sem o superar.
Um dia - é verdade - vejo-o, de olhos extáticos, na montanha sagrada, tirando sons de uma flauta enquanto uma cabra pastando, ao lado, completa o quadro que diríamos idílico, teatral, pinturesco, romântico, pintado a óleo ou aguarela.
Mentira: Luís recusa deixar-se fotografar, recusa o quadro alegando que a flauta é um instrumento profano e , na Comunidade, um deslize de que ele se penitenciará.
Ninguém, no entanto, o proíbe de retirar os melodiosos sons da sua flauta, por muito que esses sons desafinem dos mantras admitidos pela disciplina litúrgica do templo.
Será Luís, um dia, quem naturalmente esquecerá a flauta, como esquecerá outros hábitos, até vícios, que a sociedade profana do Absurdo, que a sociedade absurda do Profano impõe à juventude julgando perdê-la.
Ninguém assume voluntariamente o papel de vítima. Ninguém, humano, procura o sofrimento pelo Sofrimento. Mas no Mapa Geral do Logos Universal, é forçoso considerar Bom o que nos acontece de Mau, e Mau o que nos acontece de Bom.
Perceber a lógica deste contraditório é (talvez) o primeiro passo da Iniciação.
Dialecticamente, porém, esta juventude só pode encontrar-se porque se "perdeu".
E ainda que (Luís) não se aperceba disso, claros estão aqui os desígnios de uma predestinação.
Claro é o papel de instrumento que muitos de nós estamos a desempenhar nas mãos do Logos Universal.
Claro é, também, o triste papel dos vencedores, triunfadores, torturadores, carrascos, violentos, prepotentes, gozadores e felizes.
Como o Luís várias vezes me lembrou:
«É preciso dizer aos jovens portugueses a felicidade que representa existir aqui, nos Alpes da Haute Provence, aberta ao Mundo e ao Infinito, à Alegria e à Esperança, sobranceira às gargantas do Verdon - essa líquida serpente em luta eterna com o fogo!, perto mas longe do camping burguês, - este camp out, esta alternativa, esta oportunidade, esta porta , esta solução, este refúgio, esta resposta chamada Nyima Dzong.»
Foi o recado que trouxe do Luís para os jovens portugueses - poucos? muitos? alguns? exactamente quantos deveriam ser - que já viram o Absurdo e deram a volta ao infinito. Aos jovens vencidos de hoje. Para que - alquimia de um amor não sentimental - os vencedores possam também ser salvos do inferno da sua prepotência.
A DIFICULDADE EM SER FELIZ OU AS CONTRADIÇÕES DO PRINCÍPIO LAICO
23/Janeiro/1977
Se a Ordem do Universo é a radical, absoluta e perfeita racionalidade (a "harmonia das esferas"), eis que a racionalidade e a contradição são instrumentos ao serviço da lei universal, da lei cósmica, da lei a que devemos livre obediência.
Fala-me um amigo do "direito à contradição". De que pode perfilhar agora uma afirmação ou juízo ou opinião e logo afirmar que perfilha outra logicamente contrária a essa.
Parece-me este um dos equívocos mais correntes para quem se inicia na dialéctica yin-yang, no ser e não ser de toda a realidade, no fluxo heraclitiano da dinâmica universal, no grande Rio da Vida.
Tudo, com efeito, é e não é, tudo vai sendo, tudo se vai mudando e transmudando: o conceito de tantra começa a iluminar-se precisamente a partir dessas verificações.
Nesse sentido, parece haver um certo fundamento para defender o direito ao Paradoxo.
Eu parece-me, porém, que havemos de distinguir entre a contradição dialéctica e a contradição lógica, sendo esta um terreno inabitável como é o ar sem oxigénio, a terra sem húmus, o mundo sem amor.
O homem tem suas limitações quanto ao meio onde pode viver e sobreviver.
Obrigado a sobreviver no Himalaia , por exemplo, aí se gerou o povo talvez mais heróico e mais forte e mais diamantinamente incorruptível que habita o planeta Terra .
Mas o homem precisa de alimentos, elementos físicos, está em constante troca ecológica com o meio Ambiente e selecciona o espaço de acordo com a sua habitabilidade.
Só os que - como os povos do Himalaia - aprenderam a arte de ultrapassar as limitações, poderão viver e sobreviver em condições inóspitas a outros impossíveis.
Admito que se viva no deserto, nos cumes gelados, no fundo do mar, nos pólos da Antártida; admito que alguns povos possam viver fora do que os livros de Geografia Humana chamam "catecúmena". Mas o grau de iniciação e aprendizagem tem muito a ver com essa capacidade de existir em espaços, habitats ou ambientes de elite.
Daqui se pode tirar uma interessante lição.
Confúcio ou a tentação moralista é ainda uma constante entre os que soletram o Princípio Único e procuram aplicá-lo não só e não já apenas à comida do prato mas às circunstâncias práticas e mais diversas da vida.
Por um lado, sabe-se que o Principio Único é avesso ao dever ser, a dar conselhos para que se faça assim ou não se faça assim.
O Tao é a via livre, mas a liberdade só pode ser entendida como livre obediência à disciplina estrita da Ordem universal, da Lei Cósmica, da Harmonia das Esferas.
Mais uma vez, portanto, parece haver uma contradição: devemos ou não devemos isto ou aquilo? Obedecer ou não obedecer? Somos ou não somos livres de escolher, inclusive o erro, o negativo, o mal, o caótico, o suicídio, a intoxicação, a mentira, o egoísmo?
Enfim, pode ou não pode - à luz do Princípio Único - existir um Estatuto Moral, uma Regra Ética?
Não será ela, se a houver, contraditória do que se pensa do Tao ou "Via Livre"?
O dualismo é dogmático, a dialéctica é tolerante, mas não é tolerante, porém, ao ponto de admitir a sua própria destruição.
Eis o limite para toda a liberdade: é o limite onde a liberdade se pode destruir a si própria.
Fumar ou não fumar, beber ou não beber bebidas alcoólicas, falar ou não falar, fazer ou não fazer perguntas, viver no ar puro da montanha ou no ar empestado da cidade e outros fornos crematórios, - trata-se sempre de cada um decidir por si: mas decidir em função do contributo energético que pretende dar ou receber.
Quer dizer, em termos de Princípio Único, a lei moral funciona em termos físicos, termodinâmicos, bioenergéticos.
De facto eu sou livre de fazer o que quiser (até sou livre de entrar em contradição lógica no que afirmo de minuto a minuto): mas o que eu fizer ao (meu) corpo é função directa do que posso e quero fazer desse corpo como acumulador de vibrações universais, como emissor-receptor de ondas, como magneto, como micro-cosmos do macrocosmos.
Eu sei que posso fumar ou não fumar, comer ou não comer açúcar.
Mas sei também que se como açúcar não posso ter os canais desimpedidos para que a bioenergia circule no seu luminoso esplendor. Há sempre uma condição sine qua non - e essa condição é que é a lei, a lei do efeito e da causa, a lei da identidade, a lei da não-contradição - a limitar o meu procedimento: quer dizer, a preveni-lo num ou noutro sentido, conforme os resultados que eu quiser obter.
Não vivemos portanto no caos do contraditório mas sob a ditadura da lógica, ou antes, da dialéctica, assim como vivemos na ditadura da gravidade, do oxigénio, do alimento físico, do sol, enfim, de todas as condicionantes ecológicas.
Se não comer, morro à fome - mas eu sou livre de não comer e, portanto, livre de morrer à fome.
A ditadura da Lei ou Ordem Universal é que poderá assustar os espíritos ainda mergulhados no pântano liberalista. Não pode nem deve assustar, porém, os que procuram viver, na sua simplicidade, o Princípio Único e aplicá-lo com paciência e prudência às diversas circunstâncias de um quotidiano onde são constantes as tentações, os desvios, os demónios, as armadilhas e os alçapões colocados pelas forças do mal à nossa deliberação de ser felizes.
OS CRIMES DA INDÚSTRIA PESADA À LUZ DA IMORTALIDADE
De todas as descobertas sucedidas após Setembro de 1976, devo confessar que há uma particularmente empolgante, pela originalidade e evidência com que se impõe, com que se impôs aos meus olhos ainda positivistas, impregnados de todo o sarro livresco e cientifista.
Refiro-me ao fundamento físico da moral.
Segundo julgo saber, pelo que me lembro do que estudei em manuais escolares, sobre sistemas morais e sistemas éticos, sempre o fundamento último da Moral se tem apoiado em sentimentos e numa base voluntarista: ora na vontade, ora no imperativo categórico, ora na boa intenção, ora na boa fé, etc. Também houve quem o fundamentasse na utilidade, mas pragmática, exterior ao sujeito que pratica a acção.
A evidência da Imortalidade, porém, a que a macrodimensão cósmica nos conduz, dá à moral um fundamento físico, termodinâmico, energético.
Quer dizer: eu não sou compelido a praticar o bem, ou a procurar saber o que seja o Bem, a conduzir os meus actos em termos altruístas no proveito de todo os seres sensíveis, eu não serei compelido a uma acção boa e não rejeitarei uma acção má, porque sou ou quero ser bom, justo, preclaro, herói, homem de bem.
Nada disso: na roda eterna das reencarnações, na malha apertada da corrente vibratória universal e porque sei ser imortal, não tenho outro remédio - se quero abreviar o ciclo das reencarnações e, portanto, o ciclo do meu sofrimento - do que orientar as minhas acções no máximo proveito dos outros, já que é no meu proveito próprio que o estou fazendo...
Tudo se liga a tudo e o efeito de "boomerang" é um dos que se começa a tornar mais evidente nas primeiras etapas da bioenergia iniciática.
O que fizermos (aos outros) sobre nós recai. Quem cospe para o ar, sobre si cuspirá. "Assim como o fizeres, assim o acharás" ."Quem semeia ventos, colhe tempestades".
Não faltam na mitologia do inconsciente colectivo, de que os provérbios são imagem verbal tão nítida, arquétipos a confirmar esta constante da economia cósmica, esta interdependência ecossistemática ou tântrica que a Ecologia tem também posto em evidência, nos últimos anos...ajudando ao Advento da Era do Aquário.
Embora a Ecologia - note-se - enquanto ciência analítica, e ramo da ciência positivista, seja incapaz de superar os seus limites dialécticos, jamais conseguindo articular todos os fios da intrincada malha ou trama de que os ecossistemas são formados. Daí também que a Ecologia, por si só, acabe por ser engolida, pois é incapaz de se opor ao sistema até ao fim, porque lhe falta o método que consiga pensar o simultâneo e o múltiplo.
Tudo é energia, tudo se liga a tudo, e o que chamamos "praticar o Bem " aos outros é afinal estarmos a preparar, nós próprios, a melhor cama para nos deitarmos. Na medida em que trabalharmos para bem dos outros, estaremos a diminuir a hipertrofia do nosso ego e, portanto, a ganhar terreno na espiral da (nossa) evolução, da (nossa) libertação, da (nossa)salvação. Se o ego é a (nossa) Doença, praticar o Bem é avançar na (nossa) cura.
Esta inversão nos conceitos de egoísmo, altruísmo, sacrifício, dádiva moral, virtude, pecado, etc., parece-me, de facto, uma das conquistas mais revolucionárias a que pode conduzir uma visão macrocósmica da realidade quotidiana e dos nossos procedimentos usuais.
Sempre que a tentação (as chamadas "forças satânicas") nos puxa a uma actuação violenta, egoísta, fraudulenta, lesiva dos interesses e da integridade alheia, sempre que destruímos património energético comum, sempre que vemos responsáveis pela Indústria Pesada e grandes criminosos na sua função e nos seus postos de genocídio sistemático, não os lamentemos por nós ou por aquilo que (nos) destroem, que (nos) prejudicam, que (nos) lesam; lamentemos, sim, sem hipocrisia cristã, eles próprios, os (seus) filhos, os (seus) netos onde porventura eles - pais, avós - voltarão obviamente a reencarnar se assim estiver escrito como necessariamente está.
O VOLUNTARISMO DELIBERADO NO "BEM" PODE SER UMA FORMA DE NOS ABISMAR NO MAL
A esta luz, o problema põe-se de maneira totalmente inversa à forma como tem sido posto pelas morais tradicionais de cariz dualista ou idealista, principalmente pela moral cristã, pelo menos aquela que historicamente tem sobrelevado dentro de outras correntes porventura verificadas nos primitivos e heróicos tempos do primeiro cristianismo (São João Evangelista, por exemplo, seria uma dessas correntes contestatárias mas, por isso mesmo, minoritária no contexto geral das igrejas, católica e cristãs).
O grande esforço exigido ao imortal não é para evitar o Mal e praticar o Bem. Não é o Bem que custa praticar, que exige sacrifícios.
O que a mais elementar observação quotidiana demonstra, é que os maiores obstáculos se põem precisamente a quem queira praticar o Bem...
Nem podia ser de outra maneira.
A tal ponto que, por vezes, a única maneira de praticar o Bem é pela negativa, - quer dizer, por ausência, por abstenção - é evitando praticar o Mal.
Por isso a moral iniciática preconiza, em tais circunstâncias, a táctica de abstenção, a "retirada estratégica", o não-agir.
Este não-agir - que tantos engulhos tem metido aos activistas de vária espécie - é afinal a única atitude possível, muitas vezes, para não se ser obrigado a praticar o Mal, tal o peso da engrenagem, tal a força das forças satânicas, tal a malha das tentações e armadilhas, os absurdos e as contradições da engrenagem, sempre disposta a triturar o imortal nas suas rodas, e a mantê-lo indefinidamente no redemoínho das sucessivas reencarnações.
Há, de facto, uma realidade declivosa à beira de cada um de nós, a que alguns chamam demónios, outros "forças do Mal" outros "abismo" e outros ainda as "tentações de Satanás"...
DESPERDIÇAR BIOENERGIA - PONTO COMUM A TODAS AS CONJURAS E FORÇAS SATÂNICAS
30/Janeiro/1977
Quando a conjura passa a níveis de inconsciente colectivo torna-se extraordinariamente difícil de reconhecer e, portanto, de transmutar
É, por exemplo, muito difícil compreender que estamos mergulhados numa trama ou malha apertada de armadilhas e tentações, porque todas elas se caracterizam exactamente, pelo saber, pelo cheiro ou pelo tacto atractivo. Agradam-nos. Lisonjeiam os nossos sentidos e os nossos hábitos ou vícios de conforto, tranquilidade, inércia, egoísmo, etc.
A própria crítica pode ser considerada uma tentação, uma armadilha, na medida em que se trata de um convite constante à entropia e ao desgaste bioenergético.
A democracia - e seus morosos, dolorosos, complicados processos de decisão - pode ser considerada outra armadilha e outra tentação, à luz do Principio Único e da conservação da bioenergia.
A própria beleza física, numa perspectiva tântrica, é uma armadilha, como armadilha é o uso e abuso erótico com emissão de sémen (bioenergia), como armadilha é o conforte, a facilidade, o bem estar, o convite constante que a sociedade de consumo faz ao homem para gastar e consumir energias externas atrofiando a energia própria, ou para gastar e consumir as suas próprias bioenergias com todo o tipo de consumo provocante, yin, desintegrador , expansionista e entrópico
Supondo, por absurdo, que alguém conseguia escapar a todas as solicitações, armadilhas, tentações e aparências, ( rejeição que constitui em boa parte a parte negativa da via iniciática) automaticamente se constituiria um poderoso reservatório de forças magnéticas e de vibrações cósmicas.
Trata-se de não desperdiçar bioenergia ; e toda a "civilização" está assente nesse desperdício, está - com truques os mais variados e disfarçados dos mais subtis aos mais grosseiros - preparada para que a desperdicemos... Para que tenhamos de nos ir abastecer aos fornecedores habituais de energia, para que fiquemos na sua dependência e sob a sua ditadura, para que não nos libertemos nunca mais.
Medicamentos, café, açúcar, sexo, plenários democráticos, super aquecimento, facilidades de transporte, etc., têm um ponto comum: antepor o consumo de um tipo de energia centralizada , para que o consumidor (potencialmente energia) nunca chegue a perceber que é a maior central energética ele próprio, para que fique escravizado a quem lhe fornece energia exógena e, finalmente, para que tenha toda a vida que trabalhar para o sistema (introduzindo nele a sua própria energia vital, chamada trabalho) que, a peso de ouro, lhe fornece depois essa mesma energia
O conceito marxista de mais-valia aplica-se aqui como uma luva.
RESTA A CADA UM SABER SE O TEMPO DE CADA UM É CHEGADO
(In «A Capital», 17-10-1979)
Cada um tem o yoga que merece. De acordo com o estado de evolução em que se encontra, cada um tem a macrobiótica ou o naturo-vegetarianismo que também merece.
De acordo com a carapaça caracterial que o recobre, cada um, para se autoiludir, inventa os alibis que a sua própria doença impõe, reforça ainda mais essa carapaça caracterial, pela arrogância, pelo egoísmo, pela desatenção, pela desagregação e dissociação interna. Ninguém pode censurar ou lastimar ninguém. Cada um é o que é, dá o que dá, merece o que merece, de acordo com o grau da sua doença ou grau de evolução em que se encontra.
A segunda visita do Lama Kunzang Dorje a Portugal tinha de constituir um precioso teste em que as doenças, as alienações, os vários graus de dissolução, desagregação e regressão, os vários egoísmos, os vários sofrimentos, tinham de ser postos à prova. Esta visita é apenas mais um teste. Foi e será mais um teste em que não podemos fingir.
Uns haverá atingidos mais directamente por este campo magnético. Outros haverá que nem dele ouvirão falar. Outros haverá na zona intermédia que vai da absoluta plenitude e adesão à ignorância absoluta.
Difícil a um discípulo de Buda é compreender e ler, em termos de tolerância e abertura, estas diversas respostas ao facto que de repente surge como um poderoso tornado, como uma violenta turbina, como uma voragem centrípeta imparável.
Os alibis com que as pessoas se escudam para justificar (e defender) a sua própria doença, têm uma lógica tal, impõem-se com tal racionalidade, aparecem de tal modo inevitáveis que não nos podemos admirar da força centrifugadora que esses alibis possuem, distraindo e afastando de "salvação" até mesmo aqueles que dizem procurá-la.
Quase sempre esses alibis se baseiam em tabus, mitos, sofismas ou lugares comuns com alguns séculos de existência no Ocidente.
São princípios que a cultura ordinária de tal modo enraizou (e instintivou) nos seus filhos, que se tomam habitualmente por imutáveis e indiscutíveis. Chega mesmo a haver um sentimento de sagrado em relação a determinados mitos, sentimento esse que os torna ainda mais intocáveis.
É assim que, submetidos à prova de fogo que é o ioga tibetano, que é a visita ou presença do Lama, que é este "campo magnético", este núcleo de forças poderosas, a primeira e mais comum reacção que se verifica é a de fuga. E como o doente tem de encontrar sempre alibis "lógicos" para o seu comportamento (que não quer reconhecer) absurdo, eis que surge uma cascata de desculpas.
Vejamos algumas
1) A mais corrente consiste na ignorância da facto ou na "desconfiança" em relação a "mais" uma seita, uma religião, um profeta, um guru.
Diga-se de passagem que este alibi é um dos mais fortes, porque, nesta Era de Kali Yuga, as pessoas têm uma certa razão em "desconfiar", dado que todos os dias aparece um novo profeta, uma nova corrente, uma nova religião, uma nova escola esotérica que se arroga de possuir a verdade.
O cepticismo instalou-se com base no anarco-liberalismo de tantas tendências, místicas, religiões, práticas, etc.
Daí, também, outro refinado sofisma logo resultante deste, que pode ser o ecletismo.
De um lado, desconfiança sistemática, niilismo, ninguém já quer arriscar-se a crer seja no que for.
Do outro lado, abertura sistemática a toda a fraude, a todas as correntes, o que dá em resultado ser-se por todas e não se ser por nenhuma.
2) Mas há outros alibis com que as pessoas se couraçam a tentar disfarçar a sua doença, a tentar adiar o seu próprio mergulho na Corrente.
A carapaça de qualquer sólido especialista nesta ou naquela especialidade técnica é trinta vezes mais grossa e forte do que a carapaça de um "simples de espírito".
Um físico nuclear, um engenheiro, um catedrático em Biologia, está barricado, defendido, couraçado contra o assalto de qualquer hipótese iniciática. Só um violento traumatismo (um desgosto, uma doença, uma decepção, um encontro) lhe dará qualquer hipótese de "cair na voragem", de cair no "campo magnético" que é a ordem iniciática mais poderosa do Universo.
No caso de um técnico muito especializado ou de um especialista muito técnico, é a rejeição a priori , pura e simples da oportunidade, é o puro e simples desconhecimento do Advento, porque o conhecimento científico (relativo a ciência ordinária) funciona nele de barreira intransponível. A não ser que o tal traumatismo venha em seu auxílio. Se nenhum sismo existencial o abanar, porém, morrerá estúpido. Sem que a oportunidade lhe tenha surgido.
Não será bem a história de Sidharta, mas ela ilustra bem este tipo de alibi.
3) Curioso de verificar, porém, é o tipo de alibis e desculpas usados por aqueles que, em princípio e na aparência, já teriam abatido as sucessiva barreiras de preconceitos positivistas, experimentalistas, cientifistas, etc, etc..
Um adepto da Macrobiótica, por exemplo, teoricamente deveria estar já tão próximo, que a visita, a chegada, a vinda do representante supremo de senhor Buda na Terra o deveria fazer tremer de alegria e festa, numa adesão e entrega total.
Vai-se a ver e os que traficam com o Santo Nome de Buda - restaurantes ditos macrobióticos ou idênticas cooperativas - perguntam primeiro se "a vinda do Lama a Portugal trará vantagens" (sic) para a Macrobiótica e para os macrobióticos.
Se o Lama "trouxer vantagens" - diz ainda um alto dirigente macrobiótico em Portugal - a cooperativa talvez resolvesse apoiar essa vinda...
Curiosas são situações como esta: que o negócio macrobiótico se interrogue sobre as vantagens comerciais de trazer Buda vivo até nós. Macrobióticos de merda...
Atenção, vendilhões do templo: é ridículo que a Macrobiótica conduza a tais estados de doença moral, precisamente porque é tão eficaz a curar a doença física.
Atenção, vendi vendilhões: Vale mais ficar doente do corpo mas lúcido e sadio de espírito, do que ter curado o fígado, a Colite, a tensão arterial, o rim, para ficar assim com a alma tão cancerosa, tão pobre, tão vazia!
Atenção, vendilhões: perante a voragem de uma grande oportunidade - a vinda do Lama -parece ser certa ainda a sentença bíblica de que só alguns serão os eleitos, embora muitos tivessem parecido acorrer ao chamamento...
Vivemos as enormes contradições de uma Era pré-apocalíptica, é certo.
Vivemos a nossa doença em plena Sétima Praga do Egipto, "epidemia ou peste emocional” ( como dizia Wilhelm Reich).
Mas não podemos esquecer que a Macrobiótica, o yoga, o Zen, o Tao, o Santo Nome de Buda não podem se pronunciados em vão.
Paradoxalmente, isso está a servir não para nos iluminar e entregar à via correcta, mas para nos afastar ainda mais dela como satânica tentação. O caos aumenta, portanto, quando pensávamos que ele ia amainar.
Atenção, vendilhões: podemos ser violentamente centrifugados para fora desta poderosa turbina salvadora da verdade, por preconceitos anti-religiosos, cientifistas, ateístas etc.. Mas podemos também ser atirados borda fora, gritando hossanas ao Yin-Yang, ao Principio Único, à Macrobiótica, ao Zen...
Aliás, o Zen e o Tao são uma espécie de quinta coluna instalada no corpo indivisível de Buda.
Eles prorrogam os mitos mais perigosos que podem impedir o "doente de se curar”, o intoxicado de se desintoxicar... Mitos como a liberdade (livre arbítrio), a conquista individual da verdade, a rejeição de um Mestre e de uma ordem iniciática, o ecletismo, o cepticismo, o niilismo, enfim, a desagregação , o caos e a Doença, que, em conjunto, somam todos esses mitos, é de facto a grande mentira, a grande fraude, a grande burla a que está sujeito hoje o adepto de boa fé e de boa vontade.
Testemunho que também por lá passei, pelo Tao e pela Zen. Pela autoilusão da Liberdade (pelo repúdio de uma poderosa ordem e de uma forte autoridade): Ela transmite-se, como peste ideológica, do campo político ao campo que ultrapassa o político.
E defende-se então o humanismo. Defende-se o liberalismo. Defende-se a Democracia, que é para quando surgir Buda Vivo, o Grande Motor do Universo (do Cosmos) contra a Confusão e o Caos, as pessoas se encontrem ideologicamente impotentes, para saber a que força, a que ordem, a que autoridade, a que lei, a que Disciplina obedecer.
Esquecem os vários cepticismos que chegámos ao ponto de ruptura total.
Que, tendo repudiado todos os falsos profetas, todas as falsas as ordens e leis, todos os falsos senhores e mestres, a hora de Buda é chegada. A hora do inevitável é chegada.
Cada um terá, no entanto, o alibi e a autoilusão que merece. Terá a liberdade. de escolher o caos, a desordem, a desagregação, o abismo, a doença, mesmo quando roçou por si o grande motor da Salvação.
Talvez porque não esteja no momento crítico exacto para merecer outra coisa. Talvez. Mas para o saber, ao certo, é necessário um aparelho de percepção cada vez mais nítido e atento. Seria uma pena perder a oportunidade, se acaso era chegado o tempo dessa oportunidade lhe ser dada.
CORTAR A IGNORÂNCIA É APRENDER A ORDEM DO UNIVERSO
15-Maio-1977
Cortar a ignorância tem, nos tantras, um sentido bastante diferente da didáctica positivista em vigor no exoterismo ocidental.
Neste momento histórico, trata-se, até, de cortar a ignorância dos que têm mais ciência, e ignorância sabichona que se arroga o monopólio do conhecimento.
Trata-se de, com a sabedoria tradicional viva, cortar a (ignorância da) ciência analítica, cada vez mais afastada – como os factos mostram sem ser necessário qualquer demonstração - e substituir gradualmente a congestão de conhecimento particulares por uma síntese que é o conhecimento digerido e digerível.
Cortar a ignorância significa cortar mitos, fantasmas, sofismas de que fundamentalmente se alimenta o imperialismo cultural e ideológico imposto aos povos em nome de supermitos como o crescimento económico, o desenvolvimento industrial, o Progresso, o Futuro, o combate ao Analfabetismo, o Combate à Doença, o Combate à Inflação, o Combate à Fome, etc..
Cortar a ignorância não significa acabar com o analfabetismo mas, como as teses de Ivan Illich sustentam, aproveitar o fundo de sabedoria ancestral, prática e experimental que todos os povos possuem, mesmo analfabetos, em vez de matar com a ciência postiça, imposta de fora, esse fundo cultural dos povos a que se chama, com o maior descaramento, superstição, atraso, estado primitivo, subdesenvolvimento, etc..
Cortar a ignorância , portanto, significa fundamentalmente cortar todos os preconceitos gerados por uma ciência homicida e etnocida, que pretensiosamente se arroga um monopólio que não lhe pertence, nem de facto nem de direito.
Uma nota suplementar
Neste fundo cultural que todos os povos possuem, em maior ou menor grau, há uma distinção a fazer relativamente ao conhecimento espontâneo ou original - de que os índios americanos, os bantos africanos, os bororós da América Latina, dão exemplos frisantes, e o conhecimento iniciático que é já ciência, conhecimento elaborado e super-refinado, um estádio efectivamente complexo e profundo relativamente ao saber inegável mas instintivo, selvagem, natural, ecológico daqueles povos,
Basta pensar na prática do yoga relativamente a todas as práticas dos povos pré-lógicos. O yoga, como as massagens, como a alimentação Yin-Yang, como o tiro ao arco, como as artes marciais, etc. são um estádio avançado do conhecimento, ainda instintivo mas muito mais do que instintivo, ainda de acordo com o fundo espontâneo, natural e selvagem mas muito mais do que espontâneo, natural e selvagem Em suma, um conhecimento que, com propriedade, se designa de ecológico, ainda que aquele estádio pré-lógico se possa considerar pré-ecológico também.
O conhecimento iniciático é um conhecimento civilizado, sem que, ao dizer isso, menosprezemos o conhecimento selvagem mas sublinhando que o conhecimento iniciático contém o selvagem enquanto o selvagem não contém o iniciático.
Daí falar-se de intuição onde se julga haver instinto e de imaginação onde se supõe espontaneidade.
Comum a um e outro estádio do conhecimento é de facto o cunho ecológico de harmonia com a Ordem do Universo.
Seja qual for o grau de conhecimento, a única condição é que esteja de acordo com a lei natural, a ordem cósmica, o Princípio Único.
Ignorância é tudo o que hostiliza essa ordem.
Ignorância é a ciência a, a técnica, a política, a economia., a indústria, a medicina, a agricultura, a energia que hostilizam e destroem essa ordem.
Cortar a ignorância (que tem, como se vê, muito de assassina) possui o sentido muito preciso de cortar toda a acção, ideia ou prática que não está de acordo com a Ordem do Universo, quer dizer, com as leis científicas.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi parcialmente publicado no jornal «A Capital», em 17 de Outubro de 1979
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